domingo, 27 de maio de 2012

FILMES - BABEL - A diversidade cultural e social nos filmes de Alejandro González Iñárritu, por João Paulo Palú






A diversidade cultural e social
nos filmes de Alejandro González Iñárritu
                                                                 
João Paulo Palú
1
 
Resumo
O cinema e as outras mídias em geral se ressentem na atualidade de uma apresentação e
discussão maior de temas pertinentes à sociedade, como, por exemplo, a diversidade
cultural e a discriminação social. O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu
responsável pelos filmes Amores Brutos (2000), 21 Gramas (2003) e Babel (2006) é um
dos poucos que investe em temas polêmicos  e não o faz como estratégia de autopromoção, seu cinema contempla principalmente os marginalizados e discriminados
pela sociedade. Este trabalho pretende analisar os três filmes lançados pelo cineasta e
mostrar a diversidade de temáticas exploradas por cada um deles bem como os pontos
que têm em comum que denotam mais uma persistência em tratar de questões caras a
um determinado autor, do que simples acomodação em torno de um mesmo tema ou
fórmula. É ainda intenção do trabalho analisar as qualidades estéticas dos filmes que
vêm se somar aos temas abordados, na tentativa de identificar um cineasta com uma
curta, porém promissora carreira cinematográfica.
Palavras-chave:  Alejandro González Iñárritu, cinema, diversidade, marginalização,
narrativa  não-linear.
Introdução
O diretor mexicano Alejandro González Iñárritu (43) lançou em 2006 seu
terceiro longa-metragem intitulado Babel (2006) que conta 4 diferentes histórias ligadas
por um acontecimento aparentemente banal, um caçador japonês que, em férias no
Marrocos, presenteia seu guia com um rifle de caça.
A partir desse fato, a vida de uma família de criadores de cabra no Marrocos, um
casal de americanos em férias no Marrocos, uma japonesa surda-muda em Tóquio e
duas crianças norte-americanas com sua babá mexicana na fronteira México-EUA vão
estabelecer uma ligação contada de maneira fragmentada por Iñárritu.
A ligação de diferentes personagens através de um fato  em comum e a sua
posterior repercussão é marca registrada desse cineasta que também é o diretor de
Amores Brutos (2000) e 21 Gramas (2003).
Para elaborar seus roteiros e filmes, o diretor conta com a colaboração do
roteirista mexicano Guillermo Arriaga, parceria que de acordo com a mídia
especializada terminou, após ambos anunciarem o rompimento depois de Babel.
Terminada ou não a parceria entre Iñárritu e Arriaga, o que se pode ver em seus
três filmes é uma preocupação em retratar diferentes pontos de vista e personagens que
dificilmente são vistos nas telas de cinema.  O que se mostra diferente no cinema de Inarritú e seu roteirista é a preocupação
por personagens marginalizados que de alguma maneira são colocados, ou se colocam,
em situações de tensão social frente a personagens de classes sociais mais privilegiadas
e como essa segregação social se reflete nas ações dos personagens.
Deve-se destacar a estética similar dos filmes cujas histórias são contadas de
maneira não-linear onde passado, presente e futuro se misturam em uma linha temporal
que permite ao espectador entender fatos e atitudes de personagens antes mesmo deles
acontecerem.
Não se pode afirmar que sua temática ou estética são totalmente revolucionárias
na arte cinematográfica, basta citar dois grandes filmes da década de 90 como  Short
Cuts – Cenas da Vida (1993) de Robert Altman e Pulp Fiction – Tempo de Violência
(1994)  de Quentin Tarantino que adotam estruturas semelhantes, porém, se pode
assegurar que ambas não são usadas de maneira vazia, elas tem um propósito bem
definido, as histórias se mostram atuais,  e a maneira “hipertextual” em que se
apresentam é o retrato do início do século XXI.
Em cada um dos três filmes temos personagens centrais com algum tipo de
discriminação social, em Amores Brutos há um ex-guerrilheiro comunista transformado
em matador de aluguel que perambula pelas ruas da cidade do México recolhendo
material para ser reciclado, seus únicos amigos são um bando de cães vira-latas.
Em 21 Gramas temos o ex-condenado e ex-alcoólatra que se converteu a uma
religião evangélica mas que acaba provocando um acidente que destrói uma família e
em Babel há a empregada doméstica, uma mexicana trabalhando ilegalmente nos EUA
e ainda uma família de criadores de cabra em inóspitas montanhas do Marrocos.  
Outro fator constantemente presente na filmografia de Iñarritú é misturar
personagens de mundos diferentes através de uma tragédia e então, mostrar os distintos
desdobramentos dessa na vida de cada um, de acordo com sua condição social.
O diretor parece sempre querer dizer que os personagens que mais sofrem são
aqueles que têm uma vida econômica mais tranqüila, os marginalizados, apesar de
sofrerem carregam dentro de si algum tipo  de gene que os predispõe a enfrentar os
problemas melhor do que os personagens de classes mais altas.
Amores Brutos apresenta uma modelo rica e famosa que namora um publicitário
de meia-idade que deixa a família para morar com ela, no entanto, essa modelo se
envolve em um acidente automobilístico que a deixa gravemente ferida e cicatrizada,
sua vida de glamour, portanto, terminou. Outro acidente automobilístico muda a vida dos personagens de  21 Gramas,
aqui, a vida confortável da  classe média alta é representada por uma ex-viciada em
drogas que ao se casar com um bem-sucedido arquiteto e ter duas filhas, deixa para trás
sua vida pregressa para depois retomá-la, ao se ver sozinha com a morte de toda família.
Em Babel o acidente de carros é substituído por uma bala perdida disparada por
um menino marroquino que testa o rifle comprado pelo pai, a bala acerta um ônibus de
turistas que excursiona pelas montanhas do país.
A personagem atingida é uma norte-americana que tenta reconstruir seu
casamento com o marido após a perda de um bebê, ela se vê entre a vida e a morte em
lugar desconhecido, onde as pessoas teoricamente mais próximas, os outros turistas do
ônibus, pretendem seguir viagem com medo  de também sofrerem um atentado, que
julga-se, tratar de um ato terrorista.
O terceiro grupo de personagens dos filmes de Inarritú também sofre com a
discriminação, agora não tanto de ordem econômica, mas de outra natureza, em Babel
há uma adolescente japonesa que por ser surda-muda é rejeitada pelos garotos de sua
idade, ela é também rejeitada pelas próprias colegas por ser a única virgem do grupo.
21 Gramas traz um professor de matemática que necessita urgentemente de um
transplante de coração, o diretor mexicano chama aqui a atenção para os milhões de
enfermos que de uma maneira ou de outra dependem de um sistema de saúde que
mesmo no país mais rico do mundo, os EUA, se apresenta ineficiente.
A violência contra a mulher é mostrada em  Amores Brutos  através da
personagem que procura fugir da violência do marido com o auxílio do cunhado, que
também é seu amante. A violência aqui ainda encontra outra faceta na clandestina briga
de cães em que o rapaz usa seu cão para ganhar dinheiro e fugir com a mulher do irmão.
Através desse breve relato das personagens e suas tramas se percebe que o
cinema de Iñarritú é rico em temas atuais procurando mostrar personagens que fazem
parte da vida social mesmo que muitas vezes ignorados por grande parte da sociedade.
Uma análise mais detalhada de cada um dos filmes em separado se mostra
importante, tendo-se a certeza de que o tema não se esgotará, mas com a esperança de
que despertará futuras contribuições e diferentes visões das apresentadas neste trabalho.      
Amores Brutos
O título brasileiro do filme lançado em 2000 fica aquém do impacto de seu título
original em espanhol Amores Perros,  que pode ser traduzido como Amores Cães,  tal título pode ser entendido pelo amor dos personagens por cães, como um da raça
rottweiler chamado no filme de Cofi ou ainda um outro da raça poodle, chamado Richi.
Os “amores cães” podem ainda ser interpretados como o amor de certos
personagens que “sofrem como cães” a partir do momento em que um terrível acidente
automobilístico acontece, mudando e entrelaçando seus destinos.
O acidente é o ponto de partida para uma narrativa criada pelo diretor Alejandro
González Iñárritu e o roteirista Guillermo  Arriaga onde três histórias distintas
acompanham personagens que vivem em  mundos diferentes e acabam por se
influenciar.
A trama se passa na Cidade do México, país mais populoso da América Latina,
cenário perfeito para se falar de desigualdades sociais, o acidente, ocorre quando o
jovem Octavio (Gael García Bernal), decide fugir com a mulher de seu irmão, Susana
(Vanessa Bauche), usando seu cão rottweiller Cofi em uma rinha de cães para ganhar
algum dinheiro.
O plano acaba não dando certo pois o cão leva um tiro de outro dono de
cachorro, obrigando Octavio a sair pelas ruas da cidade desgovernadamente e bater no
carro de Valeria (Goya Toledo), seus planos são frustrados e ele tem que enfrentar o
irmão, o descontentamento de Susana por sua incompetência, e ainda a perda do cão
após o acidente.
Valeria é uma modelo que tem uma vida  completamente distinta de Octavio,
porém, ela também tem uma paixão por cães pois é dona da  poodle  Richi, aqui a
analogia é clara, enquanto o cão rottweiller, forte e feroz, pertence a um jovem à beira
da marginalidade, a cadela  poodle, pequena e delicada, é propriedade de uma
personagem que representa uma alta classe social.
A modelo se envolve no acidente no momento em que está mudando para seu
novo apartamento onde pretende morar com Daniel (Álvaro Guerrero) um publicitário
de meia-idade que abandona esposa e filhas para viver com Valeria.
O terceiro arco dessa história é Chivo (Emilio Echevarría), um ex-guerrilheiro
comunista que sobrevive como catador de papel e ainda atua como matador de aluguel,
ele assiste ao acidente enquanto investiga os hábitos de sua próxima vítima.
Dono de vários cães de rua, Chivo vê o rottweiller ferido e o socorre levando-o
para sua casa, o assassino frio que não sente nenhuma compaixão por suas vítimas
resgata o cachorro e faz de sua recuperação uma possibilidade de redenção própria. As conseqüências do acidente na vida dos personagens têm caminhos diversos
como, por exemplo, o casal formado pela modelo e o publicitário que arrepende-se de
ter deixado a família ao ver sua vida com Valeria se tornar um drama após o acidente.
A modelo se vê confinada a uma cadeira de rodas e passa a ter contato com o
mundo da janela do apartamento, o que ela vê então é uma grande ironia, um outdoor
com sua imagem nos tempos de fama e sucesso, mas isso não é o pior que lhe acontece.
Seu sofrimento aumenta quando sua cadela de estimação fica presa no assoalho
do apartamento ao perseguir ratos, a modelo desesperada pela perda da poodle não tem
outra solução senão arrebentar quase completamente o chão em busca do animal.
A prisão da cadela no chão é a metáfora da prisão imposta a Valeria que passa a
experimentar um sentimento novo, de cerceamento de seus direitos de ir e vir, pois
passa a depender de outros para realizar as tarefas mais simples, o diretor transforma
uma personagem até antipática em uma deficiente física, chamando a atenção para
tantos outros deficientes que não tem uma vida digna, com o mínimo de direitos
garantidos.
Outra personagem que se sente aprisionado só que interiormente é Chivo que
teve que renunciar à sua família para se tornar guerrilheiro comunista e depois, quando
a família, principalmente a filha, não o aceitou de volta, passou a viver pelas ruas da
grande cidade e ter como única companhia um bando de cães.
Chivo começa a se libertar de sua prisão após pegar o cão que estava no acidente
e cuidar dele, passa então a questionar sua vida como matador de aluguel, refletindo se
deve ou não realizar o próximo serviço para o qual foi contratado, é quando começa a se
aproximar de sua filha que no final lhe abre uma possibilidade de reconciliação.
 Em seu primeiro filme, o diretor mexicano mostra personagens que sofrem e
que não se recuperam inteiramente de seus sofrimentos, no entanto, não se pode acusá-
lo de ser partidário do conhecido dramalhão mexicano, pelo contrário, Iñárritu constrói
dramas que são reais e tem razão para isso, não precisa cair em fórmulas fáceis e
apelativas.  
21 Gramas
O segundo filme de Iñarritú pode ser considerado a sua estréia internacional pois
é falado em inglês, foi produzido pelo estúdio norte-americano Universal e conta com
atores do primeiro escalão hollywoodiano  como Sean Penn, Naomi Watts e ainda o
mexicano Benicio Del Toro. Lançado em 2003, o título do filme se refere aos 21 gramas de massa corporal
que supostamente uma pessoa perde ao morrer, enquanto cientistas apresentam
explicações racionais para tal acontecimento, muitas religiões acreditam ser este o “peso
da alma”.
O diretor mexicano segue a definição dos que acreditam numa vida após a morte
e discute nesse filme questões de culpa, redenção, perdão e como em seu primeiro
filme, mostra ao espectador personagens de algum modo marginalizados pela sociedade.
O ponto de mudança na vida dos personagens também acontece após um
acidente automobilístico como em  Amores Brutos, aqui, no entanto, o acidente é
causado por um ex-presidiário Jack Jordan (Benicio Del Toro) que vive trabalhando
para sua igreja.
Os envolvidos no acidente também são diferentes do primeiro filme, aqui a
perda é maior pois duas meninas e seu pai são atropelados e vem a falecer deixando a
mãe e esposa Cristina Peck.(Naomi Watts) completamente desamparada.
Ela, que antes de casar e formar uma família era viciada em drogas, fraqueja
diante de tal situação e passa a consumí-las novamente, o “beneficiado” com o acidente
que em Amores Brutos foi o ex-guerrilheiro e matador de aluguel que ficou com o cão
rottweiller, em 21 Gramas  é o professor de matemática Paul Rivers (Sean Penn) que
recebe o coração do marido de Cristina em um transplante que o livra da morte.
Após receber um novo coração, Paul fica  curioso em saber a quem pertencera
anteriormente, ele contrata um detetive e acaba se envolvendo com Cristina, a esposa do
homem que lhe doou o coração, não sem antes passar por uma crise com sua esposa
Mary (Charlotte Gainsbourg) que o ajudou durante seu período convalescente querendo
até ter um filho seu por meio de inseminação artificial.
A narrativa mais uma vez é não-linear, assiste-se, por exemplo, a uma cena que
ocorreu meses antes de outra, a linha temporal é formada pelo espectador lentamente de
acordo com o contato que ele tem com o sofrimento e a angústia dos personagens, o que
pode ser uma faca de dois-gumes pois pode tanto atiçar a curiosidade quanto inutilizar
uma cena pois já se sabe de antemão sua conclusão.  
É interessante notar que aqueles que mais sofrem com o acidente viviam vidas
felizes antes, Cristina tinha se recuperado das drogas e levava uma vida de classemédia, Jack reconstruiu sua vida na prisão ao ter contato com uma religião e pregava o
evangelho. Em  Amores Brutos,  os envolvidos no acidente  passavam por momentos
distintos, enquanto a modelo estava feliz  pelo seu sucesso, sua casa e seu amante, o
jovem encontrava-se em uma situação-limite  pois teve que usar seu para conseguir
dinheiro e fugir com a cunhada.
Jack representa ainda uma classe de pessoas que por terem passado por uma
prisão ficam para sempre estigmatizadas em qualquer sociedade, ele é despedido do
clube onde trabalhava carregando tacos de golfe pela reclamação dos associados em ver
suas tatuagens.
Aqui, o diretor mexicano focaliza pessoas que são freqüentemente retratadas
pela mídia de maneira unidimensional, bandidos que se convertem a uma religião e se
transformam em fanáticos religiosos. Graças ao excelente trabalho de Del Toro, o
personagem Jack não pode ser visto somente por esse ângulo.
Fica evidente que Jack é um sujeito que luta constantemente contra seus
problemas sociais (ex-presidiário) e emocionais (ex-alcoólatra) ele é visto aconselhando
um jovem sobre o futuro, carrega a Bíblia para onde vai mas ao mesmo tempo se
orgulha de sua caminhonete equipada ganha numa rifa, presente de Jesus, acredita.
Vemos o personagem como um ser humano comum com defeitos e qualidades e
que após o acidente do qual fugiu sem prestar socorro, passa a carregar um sentimento
de culpa e questionar se Deus o abandonou depois de tanto esforço em pregar seus
ensinamentos, fica dividido entre esconder o acidente ou se entregar.
Jack então confessa o “crime” que cometeu e vai para a cadeia, lá tenta se
suicidar, mostrando-se determinado a pagar pelo mau que cometeu, quando é solto por
falta de provas decide ir morar em um motel longe da família.
Outro personagem característico da filmografia de Iñárritu é Paul Rivers, é
difícil assistir filmes em que um doente terminal é um dos personagens principais, o
personagem interpretado por Sean Penn, diferente dos personagens Cristina e Jack
parece ser o único a procurar uma dor ao invés de ficar feliz pelo transplante, pesa sobre
ele um sentimento de culpa misturado a um sentimento de gratidão por carregar o
coração que um dia pertenceu ao marido de Cristina.
Ao mesmo tempo em que carrega essa culpa e gratidão, Paul não hesita em
abandonar a esposa para ficar com Cristina, o espectador não sabe se sente pena ou
raiva do personagem, que, como qualquer  ser humano que cria em si todo tipo de
contradição.   Por fim há a personagem Cristina Peck que parece questionar o espectador se ele
não faria o mesmo que ela ao ver sua família morta, até onde a vida continua para
alguém que perdeu aquilo que a mantinha longe de seus maiores problemas, as drogas.
Sua única maneira de continuar a viver é para descobrir quem a privou de sua
felicidade e se vingar, para isso, não pensa duas vezes em usar Paul que está apaixonado
por ela para cometer um crime.
Paul, no entanto, não consegue matar  Jack, no último momento ele apenas
dispara a arma e manda Jack desaparecer da região, Cristina analisando o revólver e
vendo que faltam balas pergunta se Paul o matou e ele, mentindo, diz que sim.
Jack acha a possibilidade de pagar pelo crime e vai até o quarto de motel onde
Cristina e Paul estão hospedados, lá pede  para Paul matá-lo mas ele não consegue,
Cristina irada, começa a bater em Jack com tudo o que encontra pela frente até que Paul
dispara a arma contra si mesmo.
Jack e Cristina socorrem Paul que morre no hospital, ela também descobre, ao
doar sangue, que está grávida, já Jack ao se ver tão perto da morte retorna para sua
família, o filme acaba com Cristina renovada pela gravidez que lhe trará nova razão
para viver.
Iñárritu não julga seus personagens e pede o mesmo para o público, ele mostra
como mesmo aqueles que a sociedade veladamente ou não despreza, devem ser vistos
antes como seres humanos que precisam ser entendidos, seus atos não são gratuitos,
algo os levou a fazer o que fazem, e, por pior que sejam os acontecimentos, há sempre
espaço para um recomeço.
Babel
O mais recente filme de Alejandro G. Iñárritu foi lançado em 2006 e concorreu a
diversas categorias do Oscar 2007, entre elas, melhor filme e melhor diretor. O roteiro,
como Amores Brutos e 21 Gramas foi escrito pelo diretor e o roteirista Arriaga.
O título do filme se refere à famosa Torre de Babel citada no primeiro livro
bíblico, o Gênesis, onde no capítulo 11 tentou-se construir uma torre que chegasse até
os céus. Deus, irado com tal pretensão do ser humano fez com que cada um começasse a
falar uma língua diferente criando desentendimento entre os homens, impedido a
conclusão da torre.  Babel tem como tema central os problemas de comunicação não somente entre
pessoas que falam diferentes idiomas mas também entre diferentes culturas e ainda entre
pessoas que falam o mesmo idioma mas que não conseguem se entender.
 É o caso dos personagens Richard (Brad Pitt) e Susan (Cate Blanchett) que
viajando Marrocos tentam reconstruir um casamento abalado após a morte de um dos
filhos ainda bebê, numa parada do ônibus de turismo que os leva entre as montanhas
marroquinas, Susan pergunta ao marido o motivo de tal viagem, por que foram tão
longe para resolver um problema conjugal.
 Paralelamente ao drama do casal americano, o espectador conhece os outros
arcos que compõem o filme, mais uma vez, roteirista e diretor lançam mão de uma
narrativa não-linear que aos poucos vai fazendo sentido e conectando suas peças.
 Há a família marroquina que mora nas montanhas pastoreando cabras, ela é o
ponto de partida do filme e a responsável pelo fato que muda a vida de todos os
personagens, temos o pai da família que compra o rifle de outro camponês, o filho mais
novo e mais esperto que o filho mais velho, a mãe dos meninos e a irmã, responsável
por despertar no irmão mais novo seus primeiros desejos sexuais.
 Os outros dois fios desse novelo são  a adolescente japonesa surda-muda que
além dos problemas típicos da idade sente a falta da mãe que se suicidou e é
discriminada pelas colegas por não ter tido relações sexuais com nenhum homem ainda
e, finalmente, a babá mexicana que trabalha ilegalmente nos EUA cuidando dos filhos
do casal Richard e Susan e que, sem opção, leva as crianças ao México para não perder
o casamento do filho.
 Diferente dos acidentes de seus dois filmes anteriores, em Babel, Iñárritu usa um
outro acontecimento para iniciar a narrativa, o rifle dos marroquinos acerta a americana
Susan que estava no ônibus de turismo e a deixa à beira da morte
 O tiro disparado pelo menino mais novo  é também um acidente, pois ele e o
irmão estão testando o rifle que o pai lhes  deu para defender as cabras de coiotes e
acabam disparando contra o ônibus que viaja  em uma estrada distante de onde estão,
assustados escondem do pai o fato.
 O tiro que acerta Susan desencadeia o segmento mais interessante do filme, onde
o título  Babel se encaixa perfeitamente, pois Richard fica impotente de socorrer sua
esposa em um lugar inóspito e os turistas que viajam com ele, teoricamente as pessoas
mais próximas, ficam assustadas e querem deixá-los numa vila e voltar para um local
seguro com o ônibus.  O guia turístico marroquino faz o que está ao seu alcance e se compadece com a
situação do casal, quando um médico examina Susan e diz que a situação é grave, o guia
não traduz exatamente o que está acontecendo, mas Richard exige a verdade
desesperando-se com a possibilidade de perder a esposa.
 Uma interessante questão levantada pelo filme é que o tiro que acerta Susan se
transforma em um ato terrorista de proporções mundiais, Iñárritu toca num ponto central
do mundo ocidental pós 11 de setembro onde o medo e o inimigo estão sempre
presentes na vida das pessoas.
 Se fosse no mundo real, quem não garantiria que a repercussão do fato mostrado
pelo filme não seria o mesmo, a imprensa ocidental levantadas suspeitas sobre o mundo
árabe e superdimensionando uma notícia, no filme, o socorro demora a chegar pois o
consulado norte-americano se encarrega de  enviar um helicóptero para resgatar sua
cidadã por temer que uma ambulância marroquina não prestaria o devido socorro.
 O tiro disparado no Marrocos que acerta uma americana acaba influenciando os
planos de uma mexicana nos EUA, Amélia (Adriana Barraza) é uma imigrante ilegal
que pretende ir ao México participar do casamento do filho mas que devido ao problema
com o casal norte-americano, tem que levar as crianças para o México.
 No casamento tudo corre bem, as crianças se encantam por estar em um mundo
novo de que só ouviram falar (não muito bem),  pelos pais, elas participam da festa,
brincam com outras crianças mexicanas, o problema está no retorno aos EUA.
 O sobrinho da babá (Gael Garcia Bernal) é o encarregado de levá-los de volta
para casa, o problema acontece na fronteira México-EUA quando um policial impede
que eles entrem nos EUA por não terem os documentos autorizando o transporte das
crianças, com medo de ser preso, o sobrinho resolve fugir com o carro deixando babá e
crianças no meio do deserto.
 Após passar a noite e uma parte do dia perambulando pelo deserto, a babá é
encontrada por um policial que a prende e resgata as crianças, no interrogatório, ela
recebe uma dura do policial que diz para ela nunca mais voltar a entrar nos EUA, muito
abalada, ela quer saber o estado das crianças que ajudou a criar desde o nascimento.
 O diretor mexicano expõe aqui com toda propriedade uma situação muito
familiar aos mexicanos e também aos brasileiros, que é o sonho de viver nos EUA, de
um lado há o povo marginalizado que luta por uma vida melhor em outro país e de outro
aqueles que expulsam do país quem os incomoda.  A história da adolescente japonesa se liga as outras pois o rifle pertencia a seu
pai, com quem não se entende, que o deu  a um marroquino quando foi lá caçar, esse
marroquino posteriormente vende a arma que desencadeia todos os dramas do filme.
 Como já comentado, a adolescente é surda-muda e se sente excluída do convívio
social pois quando se aproxima de meninos estes a desprezam devido à sua deficiência.
Mais uma vez Iñárritu toca em questões sociais que muitas vezes passam longe da
grande mídia e da sociedade.
 Se em  Amores Brutos  a modelo fica paralítica, aqui a surda-muda mostra a
dificuldade que essas pessoas tem  de levar uma vida normal principalmente pelo fato
da grande maioria da sociedade não saber lidar com os diferentes tipos de deficiências.
 Desesperada por não se sentir desejada por ninguém,  ela resolve se entregar a
um policial que quer esclarecer a origem da arma que atingiu a norte-americana, para
isso ela o chama em seu apartamento e aparece nua diante dele, o policial percebendo a
instabilidade emocional da moça pede para ela se cobrir e tenta confortá-la.
 O policial vai embora mas fica claro que uma relação amorosa entre ambos está
estabelecida, o pai ao voltar do trabalho encontra com o policial que lhe pergunta sobre
a arma e este confirma que a deu ao guia marroquino, ao chegar em casa, vê a filha na
varanda e a abraça, gesto que se conclui, não fazia há muito tempo.
 Voltando ao Marrocos, os meninos contam ao pai o que fizeram por verem que a
polícia está atrás deles, não sabendo o que fazer, tentam fugir  quando a polícia ao
pensar que se trata de perigosos terroristas abre fogo contra o pai e os dois meninos.
 O pior acontece para o menino mais velho que acaba levando um tiro e morre, o
mais novo, desesperado por ver o irmão se entrega e pede aos policiais que o prendem e
salvem o irmão, ele confessa ter sido o autor do disparo que atingiu a americana.
 A americana, a vítima, após sofrer muito é resgata e sobrevive, o agressor, o
árabe é punido com a morte, com Babel  o diretor mexicano apresenta um filme que
mais do que mostrar a falta de comunicação entre os povos, fala da intolerância, da
desumanização das relações entre as pessoas, da exploração e de como é difícil ser
diferente no mundo atual.
   
Conclusão
Três filmes na carreira de um diretor ainda não constituem o que geralmente se
chama de “obra”, mas é um bom indício de onde essa carreira pode chegar, Alejandro
G. Iñárritu apresenta traços de um diretor preocupado em evoluir, filme após filme, em torno do que um dia pode vir a ser “o cinema de Iñárritu” como hoje temos o cinema de
Hitchcock ou o de Glauber Rocha.
 Esse trabalho dá uma pequena pista de que o mexicano parece estar no caminho
certo ao tentar, através da análise de seus três filmes, identificar pontos estéticos e
temáticos em comum, questões que reunidas  e analisadas levam o espectador que se
depara com Amores Brutos, 21 Gramas ou Babel a perceber que se tratam de filmes de
um mesmo diretor.  
 Não se pode esquecer que os três filmes tiveram como roteirista creditado,
Guillermo Arriaga que, segundo informações colhidas em revistas especializadas não
fará parte dos projetos futuros de Iñárritu, portanto, somente um quarto filme sem sua
colaboração pode dimensionar o seu potencial peso na filmografia analisada.
 É sabido que o roteiro de um filme não é o filme, ótimos roteiros nas mãos de
diretores menos capazes se convertem em filmes medíocres, bem como roteiros fracos
nas mãos de pessoas talentosas se transformam em grandes filmes.
 Este trabalho reconhece a importância do roteirista na elaboração dos filmes mas
leva em conta novamente informações da imprensa de que Iñárritu é participante ativo
na criação dos personagens e tramas de seus filmes, portanto o sucesso ou fracasso deles
se deve mais ao seu trabalho como “Iñárritu diretor” do que como “Iñárritu roteirista”.
 Deve-se destacar as críticas e elogios recebidos pelos filmes, as primeiras dizem
que Iñárritu teria descoberto uma fórmula  para realizar filmes e a repete sempre,
mudando personagens e situações que no fundo são os mesmos em todos os filmes.
 Essas críticas entendem como fórmula  a maneira não-linear e fragmentada da
narrativa dos filmes, onde cenas aparentemente soltas se encontram no final ou ainda,
um acontecimento em comum que afeta todos os personagens de alguma maneira.
 Algumas críticas ressaltam que uma história não-linear é um modo de esconder
possíveis “furos” no roteiro e, propositadamente, confundir o espectador que então julga
o filme de maneira positiva ressaltando qualidades que ele não possui.
 Seguramente se pode afirmar que a  narrativa fragmentada é uma escolha
consciente do diretor, mas tal recurso não é usado apenas para confundir o espectador
ou chocá-lo, parece ter mais relação com o tipo de filme que se quer fazer, ou melhor, o
tipo de história se quer contar.
 Os filmes do diretor mexicano contam com várias histórias ou “arcos”, onde
diversos núcleos de personagens se desenvolvem podendo ou não se cruzar, há, como já
citado nesse trabalho, vários filmes que adotam essa narrativa; indo um pouco mais longe as telenovelas, principal produto ficcional latino-americano, seguem estrutura
narrativa parecida.
 Deixando a parte “literária” de lado, deve-se destacar no cinema de Iñárritu os
recursos cinematográficos utilizados para desenvolver o filme, como montagem,
enquadramento, som, luz, interpretação, entre outros.
 Em qualquer um de seus três filmes o mexicano contou com excelentes atores
como em  Amores Brutos  onde trabalhou com atores mais conhecidos no México,
destacando-se Emilio Echevarría intérprete do ex-guerrilheiro que cuida do rottweiler e
Gael Garcia Bernal, jovem e talentoso ator que interpretou Octavio, hoje em Hollywood.
Tanto  21 Gramas  quanto Babel,  rodados em inglês, trazem em seus elencos
atores mundialmente conhecidos como Sean Penn, Brad Pitt e Naomi Watts o que atesta
o prestígio alcançado por Iñárritu após seu primeiro filme, tais estrelas gostam de
alternar papéis em filmes mais comerciais com projetos mais densos e que os desafiem
enquanto atores o que sempre pode levá-los a receber prêmios.
 A montagem do filme está diretamente ligada ao que o diretor quer transmitir a
seu público; mais de um teórico já atestou que cinema é montagem, (Andrew, 1989,p.
52) e os três filmes aqui analisados se apóiam sobremaneira em sua montagem.
 Já se discutiu as características da narrativa fragmentada, a montagem bem
realizada vem confirmar as qualidades de um roteiro bem amarrado, onde o espectador
se mantém interessado o tempo todo, é preciso, no entanto, cuidado para não revelar
mais do que o necessário e comprometer o trabalho todo.                                                                            
Tal questão foi levantada na análise do filme 21 Gramas que em determinados
momentos trazia uma cena que mais à frente influenciava o desenvolvimento de uma
outra, “estragando” o caráter de ineditismo de uma seqüência.
 Tais problemas são mais comuns nesse filme que nos outros dois, em Amores
Brutos a montagem se mostra instintiva certamente por se tratar do primeiro filme do
diretor, já Babel  é montado com ações intercaladas a maioria no tempo presente.
 Os enquadramentos e os aspectos técnicos como luz e som podem ser vistos
como utilizados para trazer uma maior sensação de realismo ao espectador, a câmera
geralmente anda solta entre os personagens, ela não assume um ponto de vista estático
mas procura fazer parte do interior da ação que se desenvolve.
 A luz geralmente busca ser a mais natural possível, “estourada” durante cenas
diurnas e difusa em noturnas, sempre com  a intenção de funcionar como mais um aspecto que traga verossimilhança à  narrativa e o som segue o mesmo estilo,
trabalhando com ruídos e sujeiras comuns em cenas captadas fora de estúdio.
 Os filmes dirigidos por Alejandro  González Iñárritu apresentam temas
incômodos e problemas sociais os mais diversos, eles estão representados tanto em
personagens discriminados e marginalizados quanto no próprio ambiente das histórias.
 Em Amores Brutos a Cidade do México pode ser considerada uma personagem
do filme, pois tem grande influência sobre a vida dos outros personagens, ela se
apresenta uma metrópole rica na história da modelo e seu amante e pobre e miserável na
do ex-guerrilheiro, o diretor conseguiu extrair duas facetas da cidade que se evitam mas
que acabam sempre se misturando.
 Ainda no filme de estréia de Iñárritu, há temas como a violência doméstica
contra a mulher, a discriminação contra ex-presidiários, este último também presente
em 21 Gramas que agrega outros temas como o uso de drogas, o problema das pessoas
que dependem de um transplante de órgão para continuar a viver, o diretor, apesar de
tocar em temas fortes, nunca apela para a emoção fácil, apenas expõe pontos de vista.
 Já Babel trata de questões como a discriminação contra imigrantes personificada
na babá mexicana, o preconceito contra árabes travestido em medo de terroristas e ainda
as dificuldades de interação social de uma pessoa surda-muda.
      Ao apresentar tantas questões  polêmicas e infelizmente pouco discutidas, os
filmes de Iñárritu dão visibilidade para tais temas e contribuem na formação de uma
sociedade mais aberta ao diálogo e ao respeito das mais diferentes correntes ideológicas,
religiosas e econômicas, tais filmes porém, estão em falta na cinematografia mundial.        
Referências bibliográficas
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A. Pereira. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1963.
ANDREW, J. Dudley. As principais teorias do cinema. Trad. Teresa Ottoni. Rio de
Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1989.    
MATTELART, Armand. Diversidade Cultural e Mundialização. São Paulo, Parábola
Editorial, 2005.
VANOYE, Francis & GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio sobre a análise fílmica. Trad.
Marina Appenzeler. Campinas, Papirus Editora, 1994
GORDIRRO, André. ...Presente ... Revista SET. São Paulo: Ed. Peixes, n. 234, p. 34-
35, dez. 2006 SALEM, Rodrigo. 21 gramas. Revista SET. São Paulo: Ed. Peixes, n. 199, p. 64, jan.
2004.            
                                                   
1
João Paulo Palú  – Professor do Centro Universitário Senac – Campus Águas de São Pedro. Graduado
em Comunicação Social – Radialismo e Televisão  pela Universidade Metodista de Piracicaba e
mestrando em Comunicação da Faculdade de Arquitetura, Artes  e Comunicação da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) - Campus de Bauru.
http://www.faac.unesp.br/publicacoes/anais-comunicacao/textos/05.pdf

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