Um documentário “acústicoespantoso”
sobre o autismo
«Unes altres veus. Una mirada diferent sobre l’autisme»
Outras vozes. Um outro olhar sobre o autismo.
Um documentário de Iván Ruiz Acero.
Mais de duzentas pessoas se encontraram no último 3 de abril, no cinema Verdi em Barcelona, durante a pré-estreia do filme «Unes altres veus». Dirigido por nosso colega Iván Ruiz Acero, com Silvia Cortés Xarrié, o documentário conta com a participação de pais de crianças autistas e de psicanalistas europeus que trabalham na área. Um longo aplauso no fim da projeção testemunhou o impacto produzido pelo filme sobre os espectadores díspares reunidos neste evento. Em seguida, o filme será apresentado em diversos circuitos e diferentes línguas.
“Acústicoespantoso” é um neologismo que Albert, um jovem catalão diagnosticado com Asperger, encontrou, por meio de diversas linguagens, para qualificar este documentário. É Albert ele mesmo, em seu testemunho singular, que fará a função de fio de Ariane para seguir os desvios, caminhos e impasses que o documentário nos propõe para apresentar o que a psicanálise de orientação lacaniana pensa e faz hoje com os sujeitos diagnosticados de “Distúrbio do Espectro Autismo”. A mancha, visando a reparar, senão a fazer surgir, a dimensão singular do sujeito que se esconde atrás desse diagnóstico cada vez mais ambíguo na clínica contemporânea, poderia se apresentar como um labirinto. Mas basta deixar o lugar do saber para este sujeito suposto em seu silêncio e em sua linguagem fechada à compreensão dos outros e começar a retomar o fio que ele decidiu cortar em certo momento de sua experiência. Trata-se, com efeito, de um fio “acústico” em que o objeto-voz torna-se o nó principal. Trata-se de distorcer um novo uso da linguagem para ver que os efeitos mostram-se, assim, “espantosos” para o sujeito e seu entorno. “Acústicoespantoso” é então um bom nome para essas outras vozes que o documentário faz ressoar e argumentar diante do discurso psicanalítico quando se fazem questionamentos os mais desprezíveis.
Com efeito, quanto mais avançamos no campo da pesquisa sobre o autismo e sobre isto que as outras disciplinas tentam representar com este termo, menos sabemos o que ele designa, procurando modulá-lo atualmente por outros termos como “distúrbio” ou mesmo “espectro”. Não se trata de um problema “científico” em sua acepção habitual, mas do efeito da clínica em sua dissolução de categorias que se esforçam por representar a singularidade do sujeito que rejeitou certa relação com a palavra, mas recebe os efeitos desse recusa na linguagem. Se aderirmos a esta perspectiva, ficamos em uma opacidade territorial quanto à aproximação a este sujeito escondido nessa experiência insondável.
Isso pode ser tal e qual escutado no documentário: não sabemos o que é o autismo como categoria clínica, não há um sujeito autista idêntico a outro. Então é preferível partir da ignorância para tentar se orientar na singularidade de cada um e na invenção que ele está em vias de construir, por mias estranha que ela possa parecer ao senso comum. Esta invenção é feita, frequentemente, a partir de pequenas peças relevantes da linguagem com as quais o sujeito tenta se manter em sua relação impossível com o outro. Trata-se, então, de prestar atenção ao valor singular dessas peças – não de esmagá-las em um adestramento mais ou menos sistemático segundo os ideais normativos dos costumes –, para, assim, encontrar o fio com o qual podemos tentar ligar uma relação sintomática do sujeito ao outro.
É nesta posição que assistimos não somente os psicanalistas que interviram no documentário, mas, sobretudo os pais que contam os efeitos que eles e suas crianças vivenciaram durante o tratamento psicanalítico. Ao invés de assumir a posição de se culpar, atribuída hoje com tanta ignorância à psicanálise, um pai pode então contar a sua experiência difícil que consistiu, para ele, justamente em se separar de uma culpa que experimentou antes de encontrar a psicanálise, culpa com a qual antes ele tentava, durante tanto tempo, encontrar a causa de um real no interior do qual ele não podia orientar-se até agora na relação ao seu filho. Ou então o alívio de uma mãe que havia atravessado longas séries de consultas médicas e psicopedagógicas, acompanhada de pesados questionamentos e protocolos, sem obter esclarecimento algum, até a encontrar a psicanálise que escutou seus filhos como um “sujeito de direito”.
Ou ainda, Albert ele mesmo, testemunha de uma das coisas mais importantes que encontrou na psicanálise: que ele não possui somente esse distúrbio que designamos pelo nome de d’Asperger, mas, sobretudo este “caráter” que lhe torna absolutamente singular, o que o ajudou a descobrir um caminho em seu labirinto de silêncio e palavras.
Cabe a nós fazer com que também o grande público escute este “caráter” singular sobre o qual a psicanálise funda suas experiências em casa caso.
* * *
Podemos ressaltar a beleza das imagens, das montanhas, do som e da luz do documentário, realizado com grande cuidado e uma clara delicadeza.“Unes altres veus. Una mirada diferent sobre l’autisme” foi dirigido por Silvia Cortés Xarrié e Iván Ruiz Acero, apresentado por Teidees Audiovisual el’Associació Teadir, associação de pais e próximos de pessoas com Distúrbio do Espectro Autista. Produção: Marta Alonso.
O documentário conta com a participação dos seguintes psicanalistas: Begoña Ansorena, Enric Berenguer, Neus Carbonell, José Castillo, Antonio Di Ciaccia, Vima Coccoz, Daniel de León, Elisabeth Escayola, Pilar Foz, Marga Gibert, Cecilia Hoffman, Josep Maria Panés, Jean-Robert Rabanel, Félix Rueda, Alexandre Stevens, Gracia Viscasillas.
Podemos visitar o site : http://unesaltresveus.teidees. com/
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