domingo, 29 de abril de 2012

O inconsciente não conhece o tempo, mas a psicanálise, sim.















Por Jacques-Alain Miller *
O inconsciente não conhece o tempo, mas a psicanálise, sim. A psicanálise dá o que Stendhal chamava “a audácia de não ser como todo mundo”. Agora, hoje em dia, todo mundo aspira não ser como todo mundo. Este era, indubitavelmente, o caso de Lacan e seu modo de não ser como todo mundo foi, por outro lado, frequentemente criticado. Com relação à política, ele ensinava, sobretudo, a desconfiança a respeito dos ideais, dos sistemas, das utopias que semeiam o campo político. Não acreditava nas leis da história. Nenhuma palavra permite crer que mantinha a ideia de uma cidade radiante, esteja esta situada no passado ou projetada para o futuro. Nem nostalgia, nem tampouco esperança, mas uma grande sobriedade a respeito da política, acompanhada de numerosos comentários que iam desde a ironia até o cinismo, marcados por sarcasmos e provocações, que sublinhavam que a política é, ao mesmo tempo, cômica e assassina. Das Memórias do cardeal de Retz, havia retido o seguinte: “Sempre são os povos que pagam o preço do acontecimento político”. Descrevia também o conquistador, chegando sempre com a mesma ordem na boca: “Ao trabalho!” Para Lacan, a alienação ao trabalho era um fato de estrutura, mas que não introduzia uma revolta coletiva propriamente dita, a luta de classes, encorajando os explorados a combaterem para converterem-se nos exploradores de amanhã. Resumindo, diríamos que no campo político, Lacan era contra tudo o que está a favor. 

Ademais, a política procede por identificações. Manipulando palavras-chave e imagens, busca capturar o sujeito enquanto que o próprio da psicanálise consiste em operar ao inverso, contra as identificações do sujeito. Uma a uma, a cura as desfaz, as faz cair como as capas de uma cebola. Confrontar o sujeito com seu próprio vazio, permitindo-lhe, assim, limpar o sistema que, apesar disso, ordenava suas lições e seu destino. Neste sentido, a psicanálise é exatamente o avesso da política.   
Mas, o inconsciente é outra coisa. Lacan dizia habitualmente que “o inconsciente é a política”. Não é uma substância escondida no indivíduo, em seu mundo fechado, que se trataria de forçar. O inconsciente é uma relação e se produz em uma relação. É por isso que temos acesso a ele em uma relação com esse outro que é um analista. Na vida psíquica do sujeito, um outro já está sempre implicado como modelo, objeto, sustentáculo ou obstáculo. A psicologia individual é, de entrada, psicologia social Se o homem é um animal político, é por ser, ao mesmo tempo, falante e falado pelos outros. Sujeito do inconsciente, recebe sempre de um outro, do discurso que circula no universo, as palavras que o dominam, que o representam e que o desnaturalizam também.

A psicanálise ensina algo sobre o poder, a influência que se pode exercer. Não é necessário muita coisa para se impor: essencialmente algumas palavras bem escolhidas. Convertida em uma indústria capital para o consumo, a publicidade tirou amplamente, proveito disto. Nas democracias como as nossas, a política já não pode se dirigir àqueles que ainda chamamos cidadãos, sem passar pela publicidade. O marketing político transformou-se em uma arte, até mesmo em uma indústria que produz um monte de siglas, slogans, emblemas, pequenas frasesE isto, em função dos dados coletados por pesquisas de opinião, sondagens agudas e grupos de discussão.Escutar o que ali se diz, serve, em primeiro lugar, para cernir os termos susceptíveis de serem impostos à opinião. É assombroso que, longe de se ocultar estas manipulações, exibem-nas. Informado da existência das mesmas, o público quer conhecê-las, visitar as bambolinas. Não apenas se põe em cena a decoração, mas também se converte em espetáculo, o avesso da decoração. Ao menos um dos avessos da decoração.  
Os que praticam a política são os primeiros a saberem que esta não é uma questão de grandes ideais, mas de pequenas frases. Eles se organizam com isso e os cidadãos parecem querer que assim seja. Que a política não seja mais idealizada não é uma desgraça da democracia. Sem dúvida, este é o seu destino, sua lógica e, se assim posso dizer, seu desejo. A decadência generalizada do absoluto no campo político é notória: algo bom em oposição ao fanatismo, mas que não abre a via à discussão racional entre cidadãos desapaixonados. Estamos no reino da opinião. O debate público se desenvolve sobre um fundo de descrença, de engano, de manipulação declarada e consentida. 

Esta é a regra do jogo, deplorá-lo também faz parte dele. Ninguém mais denuncia isto como abjeto, exceto alguns maledicentes ou imprecadores que, por outro lado, reduzimos à impotência. Se por acaso algum deles têm talento, felicitamo-nos do condimento que aporta o debate público. Faz parte do mesmo movimento da civilização que revela, sem descanso, o caráter artificial, construído, de todas as coisas neste mundo: o laço social, as crenças, as significações. A psicanálise participa disto, já que nenhum outro discurso tem sido mais potente em sacudir os semblantes da civilização. 
Aquele que pratica a psicanálise deve, logicamente, querer as condições materiais de sua prática. A primeira é a existência de uma sociedade civil stricto sensu, distinta do Estado. A psicanálise não existe ali onde não é permitido praticar a ironia. Não existe ali onde não é permitido questionar os ideais sem sofrer por isso. Em consequência disso, a psicanálise é claramente incompatível com toda ordem totalitária. Ao contrário, a psicanálise faz causa comum com a liberdade de expressão e com o pluralismo. Enquanto que a divisão do trabalho, a democracia e o individualismo não tiverem produzido seus estragos, não haverá lugar para a psicanálise.   
O liberalismo não é, no entanto, a condição política da psicanálise. Nos Estados Unidos, por exemplo, se a psicanálise lacaniana interessa aos intelectuais, sua prática real só subsiste. Segundo a opinião de Freud, a psicanálise se desnaturalizou ao atravessar o Atlântico; os imigrantes que o difundiram deixaram a Europa para trás como uma má recordação e só lhes restou conformarem-se com os valores do american way of life. Esta expressão caiu em desuso, já que este estilo de vida está se tornando, cada dia mais, o nosso. Se o divórcio das sensibilidades e dos costumes entre Estados Unidos e França, incluindo toda a Europa, pôde, certamente, cristalizar-se a nível político, não impediu, de modo algum, a americanização em marcha.  
Assim, como tal, a psicanálise é revolucionária ou reacionária? Trata-se de um Jano, uma isca, que se utiliza explicitamente nos debates da sociedade nas quais se faz a psicanálise dizer uma coisa e o seu contrário. Mas, sua doutrina só requer que um analista esteja ali, antes de tudo, para psicanalizar e, subsidiariamente, para fazer avançar a psicanálise e difundi-la no mundo. Melhor ainda se para isto, intervém no debate público. 
Indubitavelmente, a psicanálise não é revolucionária. Sem dúvida, dedica-se mais a por em valores invariantes do que a depositar suas esperanças em mudanças de ordem política. Pretende operar a um nível mais fundamental do sujeito, onde os pontos do espaço-tempo estão em uma relação topológica e já não mais, métrica. O mais distante se revela, de repente, o mais próximo. Um psicanalista é, de bom grado, partidário do “Nada novo. Quanto mais isso muda, mais é a mesma coisa”, professa o psicanalista. Salvo que talvez possa piorar, se alguma vez acreditou-se que podia ser melhor.   
A psicanálise não é revolucionária, mas é subversiva, o que não é o mesmo, quer dizer, vai contra as identificações, os ideais, as palavras-chave. É bem conhecido que nos preocupamos quando alguém próximo começa uma análise: tememos que deixe de honrar a seu pai, a sua mãe, seu parceiro e a seu Deus. Alguns, por outro lado, aspiraram, sem êxito, a uma psicanálise adaptativa, muito mais que subversiva. 
Não nos enganemos, “quanto mais isso muda e mais é a mesma coisa”, mas muda de todo jeito! Que continue sendo a mesma coisa significa que o que se ganha por um lado, se perde pelo outro, e isto não se reabsorve. Se é subversiva, nem por isso a psicanálise é progressista nem reacionária. Seria, então, sem esperança? Digamos que uma psicanálise opera mais a partir da esperança. Procede ao modo de ablação da esperança e um certo alívio resulta disso.   

Não apenas os psicanalistas não são militantes da psicanálise – exceto às vezes, e não necessariamente, para sua felicidade – mas estão mais propensos a aborrecerem-se com os militantes. O que resulta disso é que os psicanalistas se mostram frequentemente muito sobrecarregados por sua operação que sacudiu todos os semblantes, em particular, todas as normas que moderavam a relação sexual, inserindo-a na família e na procriação. Os psicanalistas queriam que os semblantes de antes resistissem até o fim dos tempos. Longe disso! A psicanálise produziu danos sensacionais na tradição. A estes desastres, somaram-se as possibilidades inéditas que oferecem os avanços da biologia, da procriação assistida, a clonagem, a decifração do genoma humano, a perspectiva de que o homem mesmo se converta em um organismo geneticamente modificado. É claro que o Nome-do-Pai já não é mais o que era.

* Ex-presidente da Associação Mundial de Psicanálise. O texto é transcrição da conferência “Anguille en politique”, proferida na rádio France-Culture em 2005; traduzida para o espanhol por Daniela Fernández, especialmente para Página/12, quando da visita do autor, que participa do VIII Congresso da Associação Mundial de Psicanálise, “A ordem simbólica no século XXI não é mais o que era”, que acontece nestes dias em Buenos Aires.
Tradução: Maria Cristina Maia Fernandes

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sábado, 14 de abril de 2012

A experiência analítica na época da permissividade delirante*













por Jésus Santiago



A clínica universal do delírio demonstra ser exigente e rigorosa quanto à sua aplicação diferencial no campo da psicose e da neurose. Ao postular seu aspecto universalizável, intenciona-se contrapô-la à uma concepção deficitária e negativa, pois à prática analítica importa fazer prevalecer, no delírio, a função de defesa diante do real do gozo. É seu invólucro de defesa, ou, mais precisamente, o seu papel de biombo, que dá substância à arquitetura própria da chamada invenção delirante de saber. Evidentemente, a definição de que todo delírio é saber apenas se justifica tendo-se em vista o fato de que o saber calcado na função significante se reparte de um modo distinto nos casos em que o recalque se constitui, ou não, como o modo preponderante de defesa do sujeito.
Como propõe Miller, o sujeito psicótico apresenta-se como “o delirante que não retrocede diante da elaboração de saber, diante do elemento de delírio que carrega sempre algo da invenção”[1]. Por outro lado, o sujeito dotado do recalque, apoiando-se na substituição significante própria do retorno do recalcado, traz consigo o S2 de que necessita e, consequentemente, pode responder por meio do valor substitutivo do sintoma. No entanto, ao se traduzir a foraclusão do Nome-do-Pai em termos de uma foraclusão generalizada, é a foraclusão desse S2 que vem substituir um S1 que se apresenta no cerne da operação foraclusiva. Diante disso, a resposta do sintoma, nesse sujeito, guarda a condição, em determinadas situações, de não se decifrar pelo recurso à metáfora e surge, assim, marcado pela interpolação do enigma.
A atualidade da clínica psicanalítica se interessa por configurações sintomáticas advindas do efeito do delírio generalizado que se institui em função do próprio impossível que envolve a relação sexual e repercute nas práticas contemporâneas com o sexo. Ao submeter-se à exigência de transparência, depara-se com o sexo em toda parte: no cinema, na televisão, nos jornais e revistas, na música, no shopping e, sobretudo, nas redes sociais de relacionamento da internet. Nos anos 70, Lacan prenuncia que “colocar o sexo na ordem do dia e exibi-lo nos diversos cantos das ruas, tratando-o como um detergente qualquer nos carrosséis televisivos, não faz dele uma promessa de benefício”[2]. Não diz, por outro lado, que se trata de um mal corrosivo de nossas sociedades. Tampouco esse tipo de difusão se constitui como um meio apropriado para tratar as angústias e os problemas particulares dos indivíduos. Em definitivo, é um fenômeno, nos diz Lacan: “da moda, a serviço dos disfarces liberalizadores que nos é fornecida, como um bem advindo do alto, por uma sociedade que se qualifica como permissiva”[3].
A meu ver, a lógica dessa proliferação do sexo apenas se revela ao encará-la como um delírio que, valendo-me dessa passagem de Lacan, nomeio como um delírio de permissividade. Tomo o delírio de permissividade como um mito moderno que, embora confira publicidade à pornografia e torne corriqueira as mais diversas práticas sexuais, não esgota, para o sujeito, o teor misterioso e enigmático do encontro amoroso. Vale dizer que a generalização delirante da permissividade não destitui o valor de enigma que impregna as práticas sexuais contemporâneas, pois estas últimas não são capazes de vedar o efeito real da não-relação entre os sexos. 
Em termos clínicos, correlaciono o delírio de permissividade com o lugar dominante que o mais-de-gozar assume em nossa civilização em detrimento do ideal do amor harmonioso e duradouro. Precisa-se, no entanto, que, se o objeto ocupa o posto de comando, isto não quer dizer que as relações entre os sexo funcionam a mil maravilhas. Constata-se que, quanto mais se exalta e se busca a permissividade no laço social, mais o sexo é fonte de mal-estar e desencontro. Como delírio generalizado, a permissividade e a tolerância desenfreada não mascaram os percalços da não-relação, nem evitam o surgimento de proibições estranhas e enigmas insolúveis, como exemplifica o fenômeno da pedofilia. Ainda que a permissividade se dissemine com os objetos técnicos de suplência que favorecem a descrição infinita dos cenários eróticos possíveis, o mistério da sexualidade permanece intacto e sua incompreensibilidade subsiste mais do que nunca na forma variada de suas manifestações
sintomáticas[4].
Nesse contexto, há uma demanda de tratamento bastante corrente na prática analítica dos dias de hoje: um sujeito solicita um tratamento sem dar crédito à existência do inconsciente, mesmo porque sua crença se aloja no gozo que provém de suas fantasias sexuais. O tratamento confronta-o com a apreensão do objeto que se imiscui na fantasia para encenar sem precaução e sem prazos o imperativo de gozo que, muitas vezes, reduz o sujeito ao silêncio e à imobilidade dos usos da palavra reveladora de seu ser de desejo. Ainda assim, uma margem de manobra significativa para a operação analítica pode ser obtida, visto que as fantasias sexuais não constituem um entrave para que um sujeito tome a palavra acerca das dificuldades que experimenta no relacionamento com o Outro sexo.
Tratar o real da não-relação através do virtual e do imaginário apenas amplia e aprofunda o aspecto da crença no Outro, pois o gozo inerente ao tornar-se objeto do Outro se desnuda ainda mais. Lacan, em vários momentos de seu ensino, insiste no fato de o elemento perverso da fantasia presentificar uma suposição, movida pela crença de que, ao se almejar o desejo do Outro, captura-se o objeto. Essa suposição embasa-se em um jogo de engodo, constitutivo da própria satisfação da fantasia voyeur. Há sempre uma relação de logro com o objeto[5], porque, no momento em que o objeto se mostra, o sujeito se torna um equivalente deste objeto, e logo desaparece do cenário virtual.
Ao tentar aprisionar, por exemplo, o objeto olhado, o sujeito se confunde com o objeto, isto quer dizer que, para ele, o olhar se instala no Outro, ou seja, está sempre do lado de fora[6]. É por isso que apenas apreende-se a natureza dessa armadilha do olhar, na pulsão escópica, para-além da relação imaginária entre o ver e o ser visto. Aquilo que o sujeito quer ver, ele próprio desconhece; é algo que lhe concerne mais intimamente, ou seja, a petrificação presente na fascinação com a imagem acontece de uma tal maneira que, para o sujeito, o olhar se transforma no objeto inerte caracterizado pela existência de um quadro. A montagem do olhar no âmbito da satisfação pulsional é análoga àquela do quadro na medida que, em ambos, o olhar está do lado de fora. Para Lacan, nada é mais compatível com esse modo de satisfação do que a função inercial do olhar presente na força atrativa exercida pela arte do quadro. Em suma, o sujeito na fantasia escópica é um quadro[7].
É nesse ponto que o tratamento incide na insistência do recobrimento da fantasia sobre o real da não relação entre os sexos. Antes de tudo, importa ressaltar a função do objeto petrificado que o olhar assume em seu circuito fantasístico. Salienta-se, aqui, a força compulsiva da intromissão do olhar como meio para a obtenção da satisfação sexual.  É essa a fonte do sucesso que a pornografia assume para os homens. A importância desse curto-circuito da satisfação escópica sobre a pulsão constitui o que Lacan denomina como o fetichismo do gozo nos homens, por oposição à erotomania do amor nas mulheres[8]. Esse fetichismo do gozo escópico é o que dificulta, no tratamento, a passagem do nível da fantasia para aquele da pulsão. Permitir o objeto deslocar-se da fixação inercial em que se encontra, é fazer o quadro tornar-se moldura. Quando Lacan conecta a lógica à fantasia, ele se refere à necessária trajetória de esvaziamento do gozo do objeto que insiste em fazer valer como o fator essencial da economia libidinal de um sujeito. É preciso efetuar essa redução do gozo com o objeto inerte para que a fantasia faça valer-se como um sucedâneo do real. Ao se fazer dela um semblante do real, a fantasia encontra a pulsão.
Evidentemente que, para obter os efeitos desta fratura, a prática analítica não faz economia dos semblantes. A força do semblante utilizada no âmbito da experiência analítica pode, de algum modo, minar o fetichismo desenfreado do gozo e, assim, age na contracorrente da permissividade delirante. A operação analítica se defronta com o fato de que a fixação na satisfação na fantasia escópica, por exemplo, se reforça pela existência do discurso universal que sanciona a permissividade com o sexo. A aposta da experiência analítica é que um sujeito possa afrontar o insuportável da questão feminina pela via que inscreve a relação amorosa naquilo que resta da indignidade pulsional, da Coisa, do Das Ding de cada um. É o amor mais digno que se abre como solução para aquele que se confronta com a resposta permissiva que, como constatamos em muitos casos, especialmente sem o recurso à experiência analítica, tende insistentemente a eternizar-se.  


[1]MILLER, Jacques-Alain. La invención del delirio [1995]. In Desde Lacan. Conferencias Porteñas. Buenos Aires: Paidós, 2009, t. 2, p. 297.
[2]LACAN, Jacques. Il ne peut pas y avoir de crise de la psychanalyse [1974]. Entrevista concedida por Jaques Lacan à Emilio Granzotto, traduzida do italiano por Paul Lemoine. In  le magazine littéraire. nº 428, février 2004. p.24-29
[3]LACAN, Jacques. Ibid. p.25.
[4]LAURENT, Éric. Le programme de jouissance n’est pas virtuel. In La cause freudienne, Les surprises du sexe. Paris: Navarin, nº 73, décembre 2009. p.42-49.  
[5] LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11, Os quarto conceitos fundamentais da psicanálise [1964]. Rio de Janeiro, Zahar, 1985. p. 102.
[6] LACAN, Jacques. O Seminário, livro 11, Op. Cit. p. 104.
[7] Ibid. p. 102.
[8] LACAN, Jacques. Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina [1958]. In Escritos. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p.742.




* Este texto é uma versão reduzida da apresentação que ele realizou no dia 7 de abril deste ano, no primeiro Seminário Preparatório para a XVI Jornada da EBP-MG

http://jornadaebpmg.blogspot.com.br/2011/09/experiencia-analitica-na-epoca-da.html

Uma (a única) Carta Inédita de Freud a Lacan


Uma (a única) Carta Inédita de Freud a Lacan


(1933)

Livro Discorrer a Psicanálise - Roberto Harari (p.172-181)





  Estimado Dr. Lacan:

     Obrigado pela remessa de sua tese de doutorado. Li-a com a máxima atenção, centrando-me, conforme sua própria indicação, no caso que o Sr. denomina Aimée, sobre o qual se pode dizer que se acha estruturada toda a obra. Acerca dele desejo, então, fazer-lhe alguns comentários psicanalíticos, os quais indubitavelmente deverão tocar aspectos da teoria, já que esta é, finalmente, a que faz falar aos supostos "fatos" (o Sr. lembrará, a respeito, o começo do meu Pulsões e destinos das pulsões, cujo manifesto liminar continuo considerando válido).

     Este caso me interessou sobremaneira, tendo cru conta a observação incluída em meu Schreber, no tocante ao mínimo de paranóias com que um analista tropeça em sua prática habitual. Por isso é que, o Sr. bem sabe, eu preferi centrar-me nas Memórias do lkesidente. Contudo, parece que adotando tal procedimento - sem dar-me conta disto senão a posteriori - houvesse chegado a um dado que sua Aimée precipita como tal: refiro-me à importância do escrito na paranóia, trasladada em sua paciente tanto pela redação dc notas autobiográficas cm cadernos, como por suas duas "novelas". Ou seja que o paranóico - coincidindo nisto com o Sr., comigo, enfim, com todos os que sentimos que devemos escrever? - não aposta sua facúndia ao verba-volent - senão ao scripta-manent - tese que condiz, por outro lado, com a aproximação que produz entre o paranóico e o filósofo. Porque se neste a intensidade do pessoal é tão destacada que inclusive dá seu nome ao sistema - escrito - que a partir dele começa - por acaso todo filósofo não crê, a sabendas ou não, que sua eosmovisão conforma o ponto inicial do cosmo, com a conseqüente derrota do caos? -, observe o Sr. que sua proposta atinente a Aimée - ou a dela mesma? - prossegue o mesmo roteiro, enquanto veiculizaria um "protótipo", inclusive uma "observação princeps" (pp.242-S). Pequena conquista a de Aimée! "Protótipo-princeps! Com efeito: aludo a como nossa modesta e obscura empregada consegue ser uma nada pequena Narcisa que prende a ocupação (Besetzung) libidinal do inteligente e - por que não? - erudito Dr. Lacan, convencendo-o acerca de sua originalidade e unicidade e... fazend&o escrever, por sua vez, a respeito dela. Ou, inclusive, "instando-o" a sustentar, no mesmo sentido, que "toda observação fecunda deve impor-se a tarefa de monografias psicopatológicas tão completas como seja possível". Claro que a psicanálise, enquanto disciplina da singularidade, deve velar pela atenção do repúdio a tudo que no comporte uma minuciosa escuta do paciente, mas acredita o Sr. que uma monografia completa - ou "exaustiva" (p.3l4) - dá conta, respeita, este caráter singular? Minha obra testemunha que as histórias que redigi não foram "crescendo", se tomamos como ultimo deles o caso da jovem homosexual. Antes tendi progressivamente - penso-o agora, enquanto lhe escrevo - a circunscrever, a recortar certas e determinadas constelações que o instrumento analítico permite esclarecer e, de fato, esclarece. Aí podem estatuir-se prototipicidades, ou observações princeps. Posso dizer-lhe que tal foi o modo fundamental segundo o qual enfocaram o relato de casos dois de meus queridos discípulos, os Drs. K.Abraham e S.Ferenczi. Um escreve "o que cai" de nossa prática diária, ainda que o texto resultante fosse eventualmente breve. Sim, não esqueço que Aimée não é um caso de psicanálise, enquanto não houve de sua parte uma intervenção analítica, devido - como o Sr. declara - a fatores alheios à sua vontade (p.276); sendo, então, um caso de aplicação da psicanálise creio que, contudo, os lineamentos mencionados conservam sua validade. Releio o escrito e comprovo que do escrito parti: parti do escrito, pois derivei de seu escrito aos de Aimée que lhe fizeram, ao Sr., escrevê-la. Mas a ela, também, o que lhe configurou seu delírio foram diversos escritos G imagens publicitárias. Assim, o interessante, mais ainda, o apaixonante de Aimée e comprovar como os meios de comunicação de massa e os espetáculos públicos lhe proporcionam o suporte encenador para desenhar seus perseguidores: a serie da irmã, como o Sr. muito bem indica, baseia-se na leitura de textos periódicos, cartazes e novelas, na assistência ao teatro e ao cinema, na contemplação de fotografias. Mais ainda, partir deste núcleo se desgarram seus ódios contra a ralé de artistas, poetas, jornalistas, editores que envenenam seus dias. Que notável gênese "indireta" que tanto deve molestar nossos adversários de além Atlântico, tão proclives como são a esta estranha concepção ali nascida, batizada como "condutismo"! Esta camponesa perdida se vê torpedeada por uma tormenta de palavras e de imagens que a tonteiam, que a deslocam, que não lhe deixam mais saber seu lugar. Sua mudança para "Cidade Luz" termina por fazê-la perder-se em suas trevas; busca-se, em sua tentativa de restituição, nas letras impressas, as firmes, as estáveis, as garantidas. As que, com sua tremenda difusão, multiplicam suas garantias indicadoras de um lugar para ela, coisa que não ignora porquanto se rotula como uma verdadeira "enamorada das palavras" (p.174); a esta expressão, Sr. agrega:"esse desfrute quase sensível que lhe produzem as palavras de sua língua (p.262). Advirta, porem, que logo depois de escrever a frase transcrita, o Sr. recorda Rousseau a propósito de um "paranóico de gênio". Contudo, eu creio que Rousseau incide no Dr. Lacan segundo a idéia do "bom selvagem". Por quê? Porque idealiza em Aimée - e o generaliza - o "sentimento da natureza", o qual, segundo Montassut - citado no texto - é "característica freqüente dos paranóicos" (p.221). Mas, para o Sr., é "um sentimento de um valor humano positivo", que teme seja destruído em honra da adaptação social. O caso de Aimée, Camponesa, certamente pareceria confirmá-lo, pois sua eclosão delirante acontece quando sua experiência posterga ao regionalismo vital disseminação urbana das palavras. Finalmente, o que é que mais se troca em uma cidade se não palavras? Mas por acaso a natureza guarda em si alguma virtude terapêutica ou, em todo o caso, equilibrante, segundo colijo da p.289? Por acaso transmite algo puro, não tomado pela ação depredadora do homem? É certo que não há cultura sem mal-estar, eu o disse, mas também é verdade que não há natureza sem cultura. Ou seja, transitivamente, não há natureza que não seja alcançada pelo mal-estar. Outra coisa e colocar, como muito sagazmente o Sr. indica, a questão da multiplicação de mensagens e o modo de participação social que pauta, inclusive, um periódico. É um dos efeitos do avanço das ciências e da industria sobre o modo de constituição e do adoecer mentalmente de uma pessoa; quero dizer que eleva à potência o alcance da "paróquia", aquela que lembrava Bergson como condição para a eficácia do chiste. É por isso que respaldo absolutamente a certeira afirmação que o Sr. redigia assim: "O delírio da interpretação... é um delírio da vivenda, da rua, do foro" (p.192). Para sua paciente, segundo seu registro, a vítima se lhe foi deslocando desde sua irmã - na vivenda - até a senhora Z. "oferecida" corno vedette pelo foro , a quem ataca em plena rua. Esta senhora Z não é como o Flechsig de Schreber: é um ser distante, uma visão fugaz, um nome em um lugar investido, antes de tudo, de símbolos de reconhecimento paroquial que se prestavam a que seu Ideal-do-eu ainda assentasse aí suas bases. E acontece que a melhor amiga - C. da N. - , ainda que se tenha transformado em perseguidora, não poderia carregar sobre si o peso desse lugar, por não dispor dos títulos que a autorizariam a tanto (p.238). Esta hipótese, que o Sr. coloca e que estimo correta, não se compadece, contudo, com outra intercalada na mesma página, onde fica estipulado que C. da N. teria sido agredida "se tivesse estado a seu alcance". Entendo que esta contradição surge da mescla de dois critérios: um, o psicanalítico, que resgata o acontecido e o submete à intelecção; o outro... corresponde mais a um exercício imaginativo. Quero significar-lhe que o objeto da agressão, o do delírio, revela em Aimée um caráter mais facilmente móvel que em Schreber, como conotando mais nitidamente um funcionamento pulsional, um caráter menos viscoso da libido que o revelado no caso do presidente. Com efeito. C. da N. foi quem falou pela primeira vez de Z. e de Sarah Bernhardt, que se constituem em suas principais perseguidoras (p.2O6); vale dizer que aconteceu que quem dizia, quem falava, se deslocou sobre os nomes das pessoas das quais falava: elas foram seu substituto (Ersatz)2 de nome a nome, em uma verdadeira cadeia de deslizamento incoercível. Digno de uma "enamorada das palavras", que nos ensina inequivocamente, como lhe dizia, o desproposito que postula o condutismo, pois o que poderia argumentar este, com seu simplismo explicativo, sobre o fato d.e que o dito substitui a quem o diz, sem os choques ou diques próprios do modo psiconeurótico? Claro que, contudo, há que ligar sua psicótica com o psiconeurótico, já que, como este, o sentido de seus sintomas, ou de seus atos, permanece oculto e enigmático.

     Com referência à temática dos mecanismos produtores, desejava comentar-lhe alguns pontos, começando pela autopunição, tão decisiva em suas sólidas argumentações. O Sr. capta em Aimée uma problemática que a localiza "além do princípio do prazer" quanto às conseqüências que se desprendem de seu ato agressivo, já que este a tem, na verdade, como objeto pulsional, coincidindo, por outro lado, fonte e fim da pulsão. Porém, claro, digo "ela" e em seguida devo corrigir-me: que significa ela, desde que a psicanálise nos demonstra a participação do aparelho psíquico? Para perguntarmo-nos de modo mais apropriado, então: o que dela? O Sr. responde que seu "ideal exteriorizado" (p.2O3); está certo, só que esta agressão patentiza seu caráter irrisório, enquanto ela tenta eliminar seu ideal invejado, obedecendo a um mandato autodestrutivo de seu supereu. Este, ao que eu chamei "imperativo categórico - seguindo a Kant - por sua condição de inapelabilidade, significa para o Sr. um dos pontos - senão o ponto - da psicanálise ao que mais notoriamente adere, o que não deixa de me comprazer. Mas coligir daqui que "os mecanismos psíquicos de autocastigo" conforma uma hipótese "nada implicada... nas primeiras sínteses teóricas" (p.227) psicanalíticas parece-me, já, uma afirmação que temo não poder acompanha-lo. Por que? Porque muito cedo, em A interpretação dos Sonhos, fiz menção aos "sonhos punitórios" em um capítulo nem marginal nem secundário; com efeito, afirmava ali que "há de conceder-se que o admitindo (aos sonhos punitórios) se agrega em certo sentido algo à teoria dos sonhos", afirmando linhas depois que: "O caráter essencial dos sonhos punitórios reside, portanto, em que neles o formador do sonho não é o desejo inconsciente que procede do reprimido (o sistema Ics. ), senão o desejo punitório que reage contra aquele; este último pertence ao eu, ainda que seja também inconsciente (quer dizer, pré-consciente)". Claro, faz três anos me vi forçado, ante a nova edição do livro, a incorporar uma nota ao pé onde constava que tal era o lugar onde caberia inserir o superego, enquanto "descobrimento posterior" da psicanálise. Agora, lembro também haver redigido - para i mesma edição - outra nota incluída no cap. VI, parágrafo Os afetos no sonho, em que pontuava uma hipótese que também estimo pertinente: escrevi ali que "é fácil reconhecer nestes sonhos punitórios cumprimentos de desejo do supereu. O que implica, a meu juízo, uma reformulação mais precisa - baseada nos novos descobrimentos e teorias da psicanálise - de um fenômeno já circunscrito e já hierarquizado. Tanto é assim que, em meu afã de deixar isto assentado com clareza, lhe precisarei que esta nova compreensão não permanecia para mim restrita ao âmbito onírico, pois neste mesmo texto a estendo, também, ao Sintoma; poderá, assim, rever o caso da paciente do vômito histérico: seu sintoma, escrevi, "só se engendra onde dois cumprimentos de desejo opostos, provenientes cada um de um diferente sistema psíquico, podem coincidir em uma expressão", pelo que ele devia ajustar-se também "a ilação de pensamentos punitórios". O mesmo ocorre quando no caso Dora" adjudico s pretensa neuralgia facial a um autocastigo, ou quanto assumo idêntica posição ante os impulsos suicidas e a mania de emagrecer do paciente do tormento dos ratos. E assim, seguindo a mesma linha em outros textos, todos anteriores a 1921. (Assinalo este ano para manifestar-lhe que nele se pode datar minha segunda teoria do aparelho psíquico, pois Psicologia das massas a desenvolve, a meu entender, com folga, se bem que no tenha sido compreendida assim por seus comentadores.) Bem: em suma, Dr. Lacan, cuique suum tribuere. Mas, seguindo dita preceptiva, devo agradecer-lhe sinceramente o aporte certo que o Sr. depreende acerca de uma inflexão do supereu não suficientemente destacada até hoje na psicanálise: aludo à operação aloplástica de dita instância. O Sr. seguramente terá presente que esta classificação - autoplástica/aloplástica - a incluí até agora unicamente em A perda da realidade na neurose e na psicose, mas me parece sumamente valida sua articulação com a dimensão superegóica por quanto permite a intelecção não meramente do sentimento de culpa, senão especialmente da consumação da necessidade de castigo, como acontece evidentemente com Aimée. Este ponto havia sido assinalado por Alexander - a quem o Sr. cita (p.228) - em seu livro O caráter neurótico (1930) - por que um título idêntico ao que o unfair Adler utilizou dezoito anos antes? -, conteste com a precisa descrição formulada acerca de um tipo de pacientes que canalizam seus conflitos antes em atuá-los na realidade (Wirklichkeit) que em revelá-los sob forma sintomática. Mas creio que Alexander se equivoca quando idealiza esta condição do "caráter neurótico" ao crer que este já tenha resolvida sua relação com a realidade, à qual, ao contrário, deveria retornar o que se tivesse separado - autoplasticamente - dela. Creio, com efeito, que Alexander desestima o fator da renegação em jogo, que torna essa realidade modelada de forma tal que para sua apresentação fidedigna inclusive o crime se autolegitima. Diferente de Alexander, o Sr. ressalta o lado disruptivo, anti-adaptativo do supereu, sua hiperpresença destilada nos efeitos - reais - de retorno que suscita, mais que em sua hipotética ausência julgável de acordo com a falta de inibições motrizes; neste sentido, não se trata na verdade de ausência, senão dessa ordem da superação conservadora (Aufhebung) que me pareceu tematizável em Schreber assim: "O superado-conservado dentro retorna de fora". Sua localização conceitual do supereu levou-me a uma fecunda revisão do conceito que verti no prólogo de Aichhorn: nele sugiro a idéia de uma eventual falha superegóica na estrutura do delinqüente impulsivo; sua contribuição, em troca, me reconduz apropriadamente a estas poucas linhas que - anos antes deste prólogo - destinei à reflexão sobre "os que delínqüem por sentimento de culpa" Creio que estes, na verdade, se aliviam como sua Aimée em seguida ao ato em questão: "curam-se" pela obediência ao insensato mandato superegóico, bastante mais violento e eficaz no "retorno vindo de fora" posto em jogo. Necessidade de castigo, como lhe dizia, que avaliza tanto a sua postura como a que Alexander debulhou na sua Psychoanalyse der Gesamtpersonlichkeit o castigo, o sofrimento não comportam um benefício secundário do sintoma - dito de modo geral -, senão um benefício primário. Isto é o que tratei de expor quando fiz menção das "resistências do supereu", e tanto ele como o Sr. o compreenderam e o fizeram funcionar às mil maravilhas. E colijo que isto foi possível na medida em que ele - seu antecessor - pode asseverar que o supereu não se configura em função da suposta introjeção individual das normas manifestas vigentes na sociedade atual, senão que implica algo admiravelmente bem resumido por Nunberg assim: "Alexander o considera como um código de todos os tempos, invariável e recôndito nas profundidades do eu". O Sr. pesquisou com agudeza e lucidez os meandros, os recôncavos do psiquismo de Aimée que transformaram uma ordem caótica em uma concepção onde uma hipermoral justiceira armou sua mão com uma navalha para responder ao pedido de dar sentido à sua própria vida, ao preço de tentar suprimir a do Sr. Z. Talvez na linha do aprofundamento destes desenvolvimentos se encontre, Dr. Lacan, grande parte de seu futuro como estudioso e praticamente da psicanálise.

     E agora, para finalizar, permitir-me-ei estabelecer uma sorte de profecia - que seu texto me permite esboçar - acerca dos destinos da psicanálise na França. O Sr. menciona reiteradamente a Janet asseverando que sua postulação da "psicastenia" é a mais ajustada para a caracterização das insuficiências da personalidade de Aimée (escrúpulos, perseverações, inacabamento de tarefas, etc.), conjuntamente - cabe reconhecê-lo - com a descrição de Kretschmer sobre o "caráter sensitivo" (p.222). Bem, é sabido que a atitude de Janet para com a psicanálise tem oscilado entre a franca beligerância e o desconhecimento de sua originalidade, enquanto procurou arrogar-se a paternidade dos descobrimentos de nossa disciplina. Primeiro ponto, então. Vamos, se o Sr. me permite, a quem situo a seguir: Henri Claude, a quem o Sr. agradece pelo apadrinhamento da tese que motiva a presente (p.l7), e com o qual, por outro lado, o Sr. colaborou tanto a nível clínico (p.l3), como a nível de co-autoria de escritos (p.32O). Pois bem, acontece que em 1924 o mesmo Claude apoiava as estranhas idéias resistenciais adversas à psicanálise que por essa época circulavam na França e das quais dei conta no parágrafo VI da Autobiografia que então redigia. Com efeito, ao apresentar o livro de Laforgue e Allendy La psychanalyse et les nérvroses, Claude escreveu que "se impõe reservas desde um princípio, já que a psicanálise não se adaptou ainda à exploração da mentalidade francesa. Alguns procedimentos de investigação ferem a delicadeza dos sentimentos íntimos, e algumas generalizações de um simbolismo exagerado, quiçá aplicáveis a sujeitos de outras raças, não me parecem aplicáveis em "clínica latina". Indiscutivelmente se me escapou um erro: disse linhas acima "o mesmo Claude", e é claro que não pode ser o mesmo que nove anos atrás pontificou tamanha impropriedade quase nacional-socialista, e o que apadrinhou uma tese como a de A psicose paranóica. Porque creio que o Sr., Dr. Lacan, resume - condensa - o terceiro ponto: a esperança jovem que, tomando a tradição clínica da melhor psiquiatria francesa, proceda à cruzá-la com o instrumento analítico que, em seu país, ingressou primeiro pelas "belas-letras", segundo pontuei. Com o qual - importância das letras mediante - volto ao começo... que não é voltar, claro: obrigado, muito obrigado pela remessa de sua tese de doutorado.

Com minhas mais afetuosas saudações, seu
Freud



HARARI, Roberto. Discorrer a psicanálise. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1987.




A Dangerous Méthod de David Cronenberg

Sabina Spielrein, une jeune femme souffrant d'hystérie, est soignée par le psychanalyste Carl Jung. 
Elle devient bientôt sa maîtresse en même temps que sa patiente. Leur relation est révélée lorsque
 Sabina rentre en contact avec Sigmund Freud...

Geneviève Morel

Freud ne voulait pas d’un film sur la psychanalyse. En 1925, Pabst, déjà célèbre pour avoir tourné La rue sans joie avec Greta Garbo, lui proposa un film sur la science de l’inconscient, dont les scénaristes seraient Abraham et Sachs, et le héros Werner Krauss, célèbre acteur expressionniste qui avait joué dans Le cabinet du Docteur Calligari de Robert Wiene (1919)  [ii]. La réaction de Freud fut sans ambiguïté : il refusa catégoriquement d’être associé à ce projet. « Ma principale objection reste que je ne tiens pas pour possible de donner de nos abstractions une présentation plastique un tant soit peu respectable. Nous n’allons tout de même pas donner notre assentiment à quelque chose d’insipide. » Précédemment, il avait déjà refusé l’offre de la Goldwyn Mayer d’être son « conseiller » pour une série à grand spectacle sur des amours célèbres, du genre Antoine et Cléopâtre. « Mr Goldwyn, commenta Freud, a au moins eu l’intelligence de s’en tenir à l’aspect de notre objet qui s’accommode très bien d’une présentation plastique, à savoir l’amour  [iii]. »
De ce point de vue, Freud aurait peut-être été sensible au film de Cronenberg qui met en scène les amours tumultueuses de Sabina Spielrein et de Jung. Mais A dangerous Method, adapté d’une œuvre théâtrale de Christopher Hampton plus classiquement intitulée The Talking Cure, ne serait-il pas aussi un film sur l’inconscient  [iv]. Qu’a visé Cronenberg avec ce titre équivoque voire menaçant?
Comme la pièce de Hampton, ce premier film « historique » du réalisateur prend sa source dans des documents qui ne furent découverts qu’en 1977 dans les archives de l’ancien Institut de psychologie de Genève par le professeur Aldo Carotenuto, spécialiste de Jung. Sabina Spielrein, une jeune fille de 19 ans issue d’une riche famille de Juifs russes, fut hospitalisée à l’hôpital psychiatrique du Burghölzli, du 17 août 1904 au 1er juin 1905 pour y soigner son hystérie. Son psychiatre fut Carl Jung qui y travaillait sous les ordres de Bleuler. Il y expérimentait sa méthode des associations, inspirée assez librement par la psychanalyse freudienne : une très belle scène quasi bergmanienne du film montre d’ailleurs Sabina, Jung et son épouse en train d’expérimenter, grâce à des appareils sophistiqués, sa méthode « scientifique », avec mesure des temps de réaction et des intensités d’émotion. Sabina fut la première personne que Jung tenta de soigner grâce à la méthode freudienne, ce dont témoigne d’ailleurs le début de sa correspondance avec Freud  [v]. Or, les documents de 1977 nous apprennent qu’ils eurent une liaison amoureuse passionnée. La « cure » continua en privé alors que Sabina Spielrein, « guérie » de son hystérie, poursuivait des études de psychiatrie à Zürich où elle obtint son diplôme en 1911 avec un mémoire, « Le contenu psychologique d’un cas de schizophrénie », écrit sous la direction de Jung. Plus tard, elle rencontra Freud à Vienne et devint membre de la Société psychanalytique de Vienne, où elle présenta, lors des fameuses soirées du mercredi, « La destruction comme cause du devenir », travail certes influencé par Jung, mais dont certains thèmes anticipaient la pulsion de mort, comme Freud le reconnut en la citant dans son Au-delà du principe de plaisir (1918) puis dans Le malaise dans la civilisation (1930). Mariée, elle retourna en Russie en 1923 après avoir travaillé à Genève et à Lausanne (elle analysa notamment Piaget). Sabina Spielrein connut une existence difficile sous le stalinisme qui interdisait la psychanalyse. Son mari fut assassiné lors des purges staliniennes et elle-même connut plus tard une fin tragique avec ses deux filles : elles furent exterminées par balles comme juives le 12 août 1942 à Rostov-sur-le-Don, la ville natale de Sabina, par un Einsatzkommando nazi.
Il ne restait pas grand-chose de l’histoire et de l’œuvre de Sabina. Ses articles avaient bien été publiés par les Freudiens mais, trop marqués par sa fréquentation de Jung, ils étaient tombés dans l’oubli. Bien sûr, il y avait ces notes en bas de page de Freud, et les lettres où Jung interroge Freud sur ses difficultés avec « son étudiante russe », en dissimulant sa liaison avec elle. Jung avait même fait publiquement le récit du cas de Sabina au congrès d’Amsterdam en 1907.
En 1977, on découvrit donc la correspondance de Sabina avec Jung et Freud, ainsi que le journal de Sabina entre 1909 et 1912  [vi]. Les lettres de Jung à Sabina et son journal clinique sont encore aujourd’hui interdits à la publication par les héritiers de Jung qui admettent sa maîtresse officielle Tony Wolf (acceptée par Emma Jung, sa femme), mais dissimulent la liaison avec Sabina, sulfureuse puisque elle a eu lieu pendant la cure, sous transfert. La passion de Sabina s’écrit de façon exaltée dans son journal. Emma Jung ayant envoyé des lettres anonymes pour faire pression sur son mari par un scandale et Jung ayant écrit à la mère de Sabina pour réclamer des honoraires afin de pouvoir traiter la jeune femme en patiente et pas en amie, Sabina, choquée par sa muflerie, demanda de l’aide à Freud. Celui-ci avait d’abord cru aux dénégations de Jung mais il s’excusera auprès de Sabina le 21 juin 1909, une fois que Jung, encore son ami à l’époque, lui aura confessé la vérité, à la demande expresse de Sabina  [vii] : « J’ai reçu aujourd’hui du Dr Jung lui-même des éclaircissements en ce qui concerne l’affaire pour laquelle vous vouliez venir me voir ici ; et je constate que j’avais correctement deviné une partie du problème et que j’en avais reconstruit de manière erronée et à votre désavantage d’autres aspects. Ce pourquoi je vous prie de bien vouloir m’excuser. Mais mon erreur répond tout à fait à mon respect des femmes, de même que le fait que la faute incombe ici à l’homme et non à vous, comme mon jeune ami le reconnaît lui-même. Acceptez l’expression de toute ma sympathie pour la manière élégante dont vous avez résolu le conflit  [viii]. » 
Le film se concentre sur les relations complexes entre ces trois personnages qui appartiennent à ces mondes si différents dont la rencontre, lourde de malentendus, préfigure, à la veille de la première guerre mondiale, l’avenir sombre de l’Europe. Le scénario de Cronenberg a modifié la pièce de Hampton et utilisé librement les archives tout en restant assez proche de la vérité historique. Cronenberg crée, grâce à ces changements, une fiction qui est aussi sa propre interprétation. Le film semble mettre l’affaire Sabina au premier plan de la rupture entre Freud et Jung, ce qui est historiquement contestable. Mais en surlignant autant cette intrigue analytique et amoureuse, il en fait la métaphore de ce qui oppose fondamentalement les deux hommes, montrant les importantes conséquences pratiques de leurs divergences théoriques.
Trois personnages, trois mondes : la Suisse, riche et puissante mais à la pensée plate, incarnée par Jung ; Vienne, le creuset de l’intelligence moderne de l’Europe, produite par des Juifs éclairés et assimilés comme Freud ou Einstein ; enfin la lointaine Russie, d’où arrive la jeune Sabina dont « le caractère russe » fait sourire les deux autres, et où les femmes de son milieu reçoivent la même éducation que les hommes.
Fils de pasteur imbibé de religion, Jung ne peut admettre l’étiologie sexuelle des névroses et, mégalomane, il voudrait réduire la psychanalyse à n’être qu’une simple branche d’un savoir encyclopédique sur l’univers dont il serait l’unique prophète. De même, sa conception théorique de la cure est, à l’opposé des indications de Freud, celle d’un missionnaire qui peut et doit guider son patient vers un bien que celui-ci méconnaîtrait. Le film montre en quoi la psychanalyse est pour lui a very dangerous Method : refusant d’admettre l’importance des pulsions, les siennes comme celles des autres, et empêtré dans ses préjugés bourgeois, il se fait mener par le bout du nez par l’hystérie de Sabina et cède à la séduction de l’amour transférentiel qu’elle lui porte.
La scénographie de Cronenberg, qui ne montre pas de coït classique (on voit cependant que Sabina a perdu sa virginité), est ici cruciale. Pour faire jouir la jeune femme, Jung, avantageusement joué par Michael Fassbender, lui administre des fessées, à la main ou avec un fouet, épousant à la lettre le scénario fantasmatique infantile œdipien qu’elle lui a confié en séance. Ces fessées semblent une invention de Cronenberg : elles n’apparaissent ni dans les archives connues ni dans le scénario de Hampton. On songe bien évidemment au Cronenberg de Crash qui s’interrogeait sur les façons d’arriver à faire jouir une femme. Mais on nous montre ainsi avant tout un Jung hypnotisé par l’inconscient de sa patiente, et qui lui obéit : les fessées matérialisent à l’écran l’inconscient de Sabina qui monte sur la scène au lieu d’être analysé. Le même Jung est également subjugué par un autre patient célèbre que lui a confié Freud, Otto Gross, personnage seulement esquissé dans le film, qu’il est censé soigner mais qui retourne la situation en convainquant son thérapeute de laisser libre cours, comme lui, à ses tendances polygames. Là encore, Jung obéit à Gross, dans une position en miroir avec son patient. Jung apprendra à ses dépens — cela paraît évident aujourd’hui mais ne l’était pas à l’époque — que la psychanalyse est une méthode dangereuse pour le thérapeute qui s’y livre sans s’être lui-même préalablement soumis à l’analyse. Or, Jung racontait certes ses rêves à Freud lors de leurs rares rencontres, mais il voulait que ce soit réciproque et n’acceptait pas l’autorité tant personnelle que psychanalytique de l’inventeur de la psychanalyse. C’est même au refus de Freud de lui raconter un rêve, qu’il imagine sexuel, sur le paquebot qui amène avec eux « la peste » psychanalytique en Amérique, qu’il imputera, après-coup, leur rupture. Finalement, Jung obéit à ses patients et à sa femme, mais il ne peut accepter l’autorité de Freud qu’il voudrait voir en père, mais un père seulement permissif. Las, le transfert le transforme automatiquement à ses yeux en un père abusif et castrateur — Cronenberg le montre par une série de scènes brèves et emplies d’esprit freudien (Witz). Jung le paiera cher : sa rupture avec Freud (et avec Sabina ?) le laissera en proie à une grave dépression en 1913.
Les scènes entre le Suisse et le Viennois (interprété par Viggo Mortensen qui joue brillamment du cigare freudien), à la Berggasse ou sur le pont du bateau qui les mène en Amérique, inspirées par les récits autobiographiques ou la correspondance des deux protagonistes, sont cocasses. Jung ne saisit ni l’humour ni l’ironie de Freud, et prend pour de la rigidité et un manque d’ambition théorique son refus de croire aux craquements prémonitoires de sa bibliothèque et autres « farfadaiseries » jungiennes. Il prône un relativisme qui s’oppose à la rigueur « scientifique » inébranlable du Viennois sur la question de la nature sexuelle de la libido. Et il impute à cette rigueur la multiplication des ennemis de la psychanalyse, proposant de parler de la sexualité par euphémismes, alors que pour Freud, « un chat est un chat ». Il nargue Freud avec sa richesse (celle de son épouse en fait)  et il essaie de le mener en bateau, dans tous les sens du terme, sur son lac lumineux où règne un été éternel. Mais Cronenberg, en insistant sur la clarté estivale des paysages idylliques de la Suisse, ne souligne-t-il pas, par contraste, que la vraie lumière, intellectuelle et affective, émane davantage du bureau, petit et sombre, de la Berggasse ?
L’hystérie de Sabina s’affirme au départ du film en des scènes spectaculaires, où on la voit se décrocher la mâchoire et malaxer sa nourriture comme si elle jouait avec ses excréments, tout en défiant le Professeur Bleuler, directeur du Burghölzli. Cette représentation de l’hystérie, inspirée de l’iconographie de Charcot (1884), est magnifiquement interprétée par Keira Knightley. Cependant, pour esthétique qu’elle paraisse, elle semble anachronique en 1904. En effet, en vingt ans, l’introduction du discours analytique, en donnant la parole aux hystériques, souvent des femmes, a radicalement modifié l’enveloppe formelle du symptôme hystérique dont la plasticité est bien connue.
Sabina réussit-elle à s’analyser dans ce contexte ? Il est permis d’en douter malgré la grande intelligence et la lucidité clinique dont elle fait preuve en avançant son propre cas à l’appui des thèses de Freud, contre un Jung dont elle est toujours amoureuse. Il est évident que son mariage avec le docteur russe et juif Pavel Scheftel se fait par défaut, et que son fantasme d’offrir un enfant, un « Siegfried », à Jung ne cède pas facilement. Elle envisageait de poursuivre son analyse avec Freud après avoir forcé Jung à dire la vérité à Freud sur leur liaison, mais finalement, elle ne le fera pas. Pourquoi ? Ce n’est pas très clair. D’après leur correspondance, il semble que Freud ait considéré qu’elle devait attendre que son mariage et sa maternité l’aient davantage détachée de Jung avant de s’analyser à nouveau ; puis son départ ultérieur en Russie aura peut-être fait capoter ce projet. À moins — c’est une hypothèse — que Freud, brouillé avec Jung, n’ait pas eu très envie de se replonger dans un épisode qui devait lui être aussi douloureux qu’à Sabina, quoique pour des raisons différentes. Cependant, il interprète par écrit le fantasme de la jeune femme d’engendrer, avec Jung, un être pur, un « Siegfried » comme dans la légende des Niebelungen, qui serait ici un mixte de Juif et d’Aryen. Même après la rupture avec Jung, et on le sent allusivement dans le film, Sabina continue d’en rêver : pour elle aussi, sa cure s’est avérée a dangerous method. Freud déchiffre, dans son fantasme de Siegfried, le déni de ses origines juives et lui écrit, alors qu’elle est enceinte : « Je suis guéri de toute séquelle de prédilection pour les aryens et je peux supposer, si votre enfant est un garçon, qu’il deviendra un inébranlable sioniste », ou encore « Nous sommes et nous resterons juifs. Les autres ne feront que nous utiliser toujours sans jamais nous comprendre ni nous respecter  [ix]. » Il s’agit d’une interprétation analytique du fantasme de Sabina, énoncé dans son journal et mis en relation par elle avec une histoire d’amour de sa mère jeune-fille. Dans tout le film, Freud s’affirme à la fois résolument athée et juif, et se préoccupe essentiellement de la diffusion mondiale de la psychanalyse, une méthode qui laisse à la porte toute religion et toute Weltanschauung (conception du monde), dit-il à plusieurs reprises. En Jung, universitaire, chrétien, psychiatre suisse aux vastes réseaux, invité aux USA bien avant lui, il voyait la matérialisation de cette possibilité d’avenir de la psychanalyse dans des cercles de diffusion plus larges que le seul milieu viennois. Lors de sa première et longue rencontre avec Jung, il se moque de son jeune collègue qui lui affirme hypocritement que le fait que la psychanalyse soit née dans le cercle viennois, exclusivement juif, n’a pas d’importance : « c’est une remarque délicieusement protestante ! », lui rétorque-t-il. Son désir d’avoir en Jung un successeur non juif qui soutiendrait la psychanalyse s’est heurté aux préjugés et à la mégalomanie de Jung, ainsi qu’à son manque d’honnêteté psychanalytique. Pour Freud aussi, la psychanalyse est bien a dangerous method.
Dans ce très beau film, le réalisateur canadien, qui s’est toujours intéressé à l’inconscient et à la folie (cf. entre autres, Dead Zone (1983), Crash (1996), Spider (2002), etc.) s’oriente parfaitement dans le champ complexe où la politique de la psychanalyse s’articule à la géopolitique et à l’antisémitisme d’avant la première guerre mondiale (qui n’a fait que flamber après). De plus, bien que Cronenberg affirme ne pas avoir fait lui-même de psychanalyse, sa sensibilité artistique lui permet de saisir le point où la psychanalyse, cette « hypnose à l’envers  [x] », peut devenir a dangerous method : là où, pour chacun, se prêter au fantasme de l’autre avec des intentions thérapeutiques sans avoir préalablement réglé ses comptes avec son propre inconscient devient ravageant pour les deux protagonistes. la discussion au cinéma du Panthéon.


Établir un diagnostic de l'autisme dès trois ans


 Stéphane Cabrol est chef du pôle de psychiatrie de l'enfant et de l'adolescent de Savoie. Il officie en outre dans le dispositif autisme en Savoie au sein de plusieurs structures : le Centre d'évaluation et de diagnostic qui dépend du Centre ressources autisme (CRA), des classes d'inclusion scolaire (Clis-Ted), un Sessad-autisme et un Institut médico-éducatif (IME).
Vous intervenez depuis une dizaine d'années dans le champ de l'autisme. Vous exercez au sein du Centre d'évaluation et de diagnostic en Savoie. Pourquoi un diagnostic précoce est-il primordial pour l'avenir d'un enfant ?

Pour une raison évidente. Entre 0 et 7 ans, la maturation cérébrale se fait à une telle vitesse et la plasticité cérébrale est telle qu'une intervention adaptée permet la réversibilité d'un certain nombre de difficultés majeures de développement. On peut intervenir avec pertinence à tous les âges de la vie mais l’efficacité optimale se situe dans le plus jeune âge. On peut beaucoup gagner en particulier sur le développement intellectuel. C'est d'autant plus important que ce développement intellectuel est un facteur pronostic essentiel dans l'autisme. Selon son quotient intellectuel (QI), l'avenir de l'enfant, son degré d’autonomie ne seront pas les mêmes. Or, si on a la possibilité d'établir un diagnostic précoce et de mettre en place rapidement une stratégie d'accompagnement adaptée, on a démontré que l'on pouvait améliorer les troubles envahissants du développement (TED) et donc les capacités de communication, les interactions sociales et les centres d'intérêts restreints ; il permet également d’améliorer significativement le QI de l'enfant. Même si pour une part encore importante, l’existence d’un retard mental restera malgré tout une réalité. Les interventions précoces permettent au potentiel de s'exprimer mais certains enfants, encore nombreux, présentent un retard mental constitutionnel, souvent d'origine génétique, qui persistera malgré l'amélioration liée aux interventions. Par contre, grâce aux interventions précoces, l’enfant, quel qu’il soit, ne va pas perdre son potentiel et va pouvoir l'exprimer. Aujourd'hui, force est de constater que nous avons des délais d'attente trop longs. Dans notre centre, il se peut que des enfants attendent un an ou plus pour avoir un bilan. Nous avons donc des priorités pour les enfants les plus jeunes, de 2 à 5 ans.
A quel âge peut-on établir un diagnostic de l'autisme ?
Avant le diagnostic, le dépistage doit permettre un repérage des troubles. Idéalement, le premier niveau de dépistage devrait avoir lieu entre 9 et 24 mois. Avant l'âge de deux ans, il n'existe pas d'outils permettant d'établir un diagnostic solide. Par contre, il existe des profils de développement qui permettent de repérer des enfants à risques de "trouble du spectre autistique" (TSA). Il existe des questionnaires comme le Chat (check-list for autism in toddlers) - ou le M-Chat (modified check-list for autism in toddlers) - qui sont de bons outils de détection précoce de l'autisme à partir de 18 mois. Ils sont cités parmi les outils de dépistage dans le document commun de la Fédération française de psychiatrie et de la Haute autorité de santé, portant sur les recommandations pour la pratique professionnelle du diagnostic de l'autisme. Ce ne sont pas les seuls. La démarche diagnostique survient dans un second temps pour consolider le repérage des symptômes autistiques. Selon les signes cliniques, le diagnostic peut s'établir dès l'âge de deux ans, mais plus solidement à partir de trois ans.
Qui sont les acteurs du dépistage ?
Le dépistage est du ressort des professionnels de santé de première ligne : médecins généralistes, pédiatres, médecins et psychologues scolaires, puéricultrices, médecins de PMI… Le dépistage étant réalisé, les enfants ayant une suspicion de TSA seront adressés aux professionnels chargés du diagnostic pour confirmer si les signes repérés sont bien en relation avec un TED. Je vous décris un parcours idéal, mais en pratique il faut y mettre un bémol. Même si les professionnels ont pris conscience, ces dernières années, de l'importance du repérage des TED, les outils mis à leur connaissance ne sont pas assez largement diffusés. A titre d'exemple, les versions françaises du Chat ou le M-Chat ont été réalisées par les associations, car la validation du questionnaire par les autorités de santé n'est pas encore achevée. L'objectif serait de le rendre systématique.
Comment se déroule le diagnostic ?
Dans nos centres, les bilans d'évaluation et de diagnostic pluridisciplinaires durent deux jours pendant lesquels nous effectuons une analyse objective portant sur plusieurs axes du développement : langage, psychomotricité, cognition, développement intellectuel, comportements. Nous allons observer l'enfant en le filmant, pour chercher la présence ou non de troubles dans le champ de la communication, des interactions sociales et des intérêts restreints. Pour le langage, nous veillons à identifier si celui-ci se fait dans un but de communication. Nous prêtons attention aux interactions réciproques avec les autres personnes. On s'attarde sur les expressions faciales, les anomalies dans le regard, le sourire. Nous pointons les difficultés à être en fonctionnement de partage, comme le fait de partager son plaisir, ses intérêts, de donner du réconfort, etc. Les enfants avec autisme ont souvent tendance à s'intéresser à des choses spécifiques de façon très marquée. Nous prêtons donc attention à la difficulté qu'ils auraient à diversifier leurs intérêts. Pour permettre d'établir un diagnostic complet, nous croisons aussi avec d'autres bilans : un bilan orthophonique pour voir si l'enfant connaît des troubles du développement du langage ; un bilan psychomoteur pour les enfants de 2 à 6 ans afin d'évaluer sa coordination motrice, sa manière de se déplacer, de se repérer dans l'espace ; un bilan ergothérapeutique, destiné aux enfants en âge scolaire, permet de mesurer la coordination fine des gestes permettant l'autonomie de la vie quotidienne comme l'habillage, le lavage, ou l'adaptation aux impératifs de la vie scolaire, comme l'utilisation des compas, des règles, etc. Il faut ajouter à cela un bilan sensoriel, pour déceler un éventuel trouble de l'un ou plusieurs des cinq sens, un bilan neuro-pédiatrique ayant pour but de déceler la présence de troubles associés, comme par exemple l'épilepsie. Enfin, un bilan génétique pour vérifier l'existence ou non d'une mutation génétique ou d'une modification génétique héritée. Une fois l'évaluation de l'enfant faite dans les différents axes de développement, une synthèse est effectuée avec les professionnels qui le suivaient déjà et ceux du Centre de diagnostic. Une fois le diagnostic établi, le médecin reçoit la famille pour l'annonce diagnostique.
L'annonce du diagnostic à la famille doit être un moment très délicat ?
Nous prenons en effet beaucoup de précautions pour bien recevoir la famille car le moment du diagnostic est très sensible. On prend le temps de regarder la vidéo, de voir ensemble quelles sont les caractéristiques de fonctionnement de l'enfant, les raisons ayant permis d'aboutir à la conclusion diagnostique. Ce sont des consultations longues qui peuvent durer deux heures, deux heures et demie. C'est un moment où la famille est très vulnérable car le diagnostic vient poser une réalité sur l'enfant. Mais il faut aussi voir cela comme un moment constructif, car nous allons élaborer avec la famille une stratégie globale d'accompagnement concernant les soins, l'éducation et la scolarité. La famille est le premier maître d'œuvre de la stratégie d’accompagnement. Nous les informons sur les possibilités existant dans le département. Une discussion s'engage sur l'intérêt d'une approche ou d'une autre. C'est vrai que nous sommes très favorables aux approches éducatives, développementales et comportementales dans le cadre de notre centre ressources, en lien avec notre expérience clinique et en conformité avec les recommandations de l’HAS, mais nous collaborons avec l'ensemble des partenaires, car l'approche doit être globale et donc plurielle. Nous insistons beaucoup sur le volet de l'accompagnement scolaire, parce qu'on sait aujourd'hui qu'un enfant avec autisme doit être situé au maximum dans une vie la plus ordinaire possible. Etre dans sa famille, aller à l'école tous les jours… après l'annonce diagnostique, nous accompagnons encore un peu la famille pour mettre en œuvre la stratégie d'accompagnement. Nous la guidons dans ses premiers pas, ensuite les structures prennent le relais.
Stéphane Cabrol