CRÔNICA - BALTIMORE 5H DA MANHÃ
O PARTIDO DO NÃO, O "TEA PARTY" E "OCUPEM WALL STREET"
Pierre – Gilles Guéguen
Fui levado a reler o livro editado por Agalma em 1999 e intitulado "A psicose ordinária". Encontrei a alavanca desta crônica, mas darei a chave no fim.
Meu interesse, de saída, foi focalizado pelo retorno à política de Newt Gingrich. Antigospeaker republicano da câmara dos representantes, Newt Gingrich negociou duramente com Clinton e obteve dele importantes concessões para as teses neo conservadoras de seu partido, antes de ser aquele que forçou o Presidente a fechar o governo (paralisação do governo - government shutdown) em 1995 – isto quer dizer, por exemplo, que o governo federal deixou de pagar seus funcionários. Foi uma decisão muito séria que Clinton assumiu e que Obama fez tudo para evitar recentemente. Ora, eis que as sondagens dotam Newt Gingrich, que chegou atrasado às primárias republicanas, com uma porcentagem superior a de outros candidatos (27%). Michele Bachman, candidato do Tea Party, Herman Cain, candidato financiado pelos irmãos Koch, biliardários da indústria de refinamento de petróleo, ou ainda Rick Peny, Ron Paul ou Mitt Romney estão distantes dele.
Ele demorou a se colocar em campanha, mas hoje é favorito porque apresenta uma figura do mestre não–tolo, ao mesmo tempo dotado de séria experiência nos corredores do poder, ao contrário dos outros candidatos republicanos que acumulam gafes e erros quando não são idiotas (des casseroles). Os democratas sublinham sua brutalidade, seu cinismo e criticam sua carreira recente, que constitui essencialmente em amoedar seu caderno de endereços até o ponto de que, até os americanos – entretanto acostumados ao lobbying – se mobilizam (1).
Num artigo publicado no New York Review of Books (2), o universitário Andrew Hacker lembra que os USA são um país onde os cidadãos votam pouco. E, sobretudo, nas eleições legislativas que ocorrem no meio do mandato do Presidente. Isto explicaria a vaga republicana que assegurou aos conservadores em 2010 o controle da câmara dos representantes. Há também a oposição sistemática do partido republicano em participar do jogo político e da prática do "filibustering", ou seja, do bloqueio sistemático do Senado, que cresceu exponencialmente com a chegada de Obama ao poder. Assim o partido republicano apareceu como o "Partido do Não", perseguindo em tudo a recusa sistemática do jogo político e visando unicamente a saída de Obama. (cf. as declarações do chefe da minoria republicana do Senado, Milch Macconell).
O Grand Old Party reflete o movimento radical do Tea Party que Andrew Hacker descreve com precisão. O movimento do Tea Party goza, com efeito, de sólida influência no partido republicano, sem que, entretanto, seja formalizada, nem que muitos membros do congresso ousem reclamar disto abertamente. Não é nem um partido e nem uma comunidade de opiniões, mas uma "erupção libertária" que atraiu indivíduos "convencidos de que podem fazer tudo sozinhos, se forem deixados livres". Eles rejeitam, em particular, toda pretensão dos Estados e mais ainda, do Estado Federal, de exercer o menor controle sobre suas vidas. Eles discutem "valores" tradicionais sociais que partilham contra o aborto, contra a Previdência Social e o Medicare, contra o casamento homossexual, pela livre posse de armas. Mas no fundo, como bem pontua o autor do artigo,eles querem ser livres até o ponto em que todo laço social obrigatório, como os impostos ou outras demandas do Estado, toque no que eles consideram ser o coração mesmo de seu ser. Sobre este solo têm sido erguidos os totalitarismos. É um apelo ao desligamento que eles veiculam e que a "Política do Não" aplicada pelo partido republicano nutre, contribuindo com o desgosto sempre crescente dos americanos da classe popular para com "Washington". Todos podres!
O movimento "Ocupem Wall Street", espontâneo e popular, entretanto, não é o espelho de esquerda do Tea Party. É um movimento populista, certamente também utópico, mas inacreditável na paisagem americana. Certamente em New York, mas há também manifestações em 17 grandes cidades – Oakland notadamente – com as provocações e as "quebradeiras" que se podia esperar nos encontros. Há pouco ele tomou um novo rumo, sempre na defesa de Main Street contra Wall Street, levando adiante o slogan de 99% contra 1% deslocando o acento sobre a reforma fiscal, mas também organizando manifestações – de acordo com os sindicatos – sobre as infraestruturas que ameaçam arruinar a ponte de Brooklin a New York.
Movimento sem líder, "Ocupem Wall Street", é uma resposta "liberal" – no sentido americano – à política demasiado moderada de Obama. O economista, prêmio Nobel e cronista do New York Times Paul Krugman, não parou desde 2008 de reprovar o Presidente por não haver explorado logo após as eleições, sua imensa popularidade. Ele considera que o Presidente tomou medidas muito tímidas, notadamente ao que concerne à recuperação dos empregos – o "Stimulus" -, a política de grandes obras e a regulação bancária. Ele lhe reprova, sobretudo, haver tentado, a todo preço, fazer o partido republicano participar do jogo democrático na Câmara dos Representantes e no Senado. Ele perdeu tempo e fez concessões que danificaram gravemente as reformas sociais que ocuparam seus dois primeiros anos de mandato.
Foi a decepção do eleitorado democrata que favoreceu a irrupção da revolta. "Ocupem Wall Street" também está à espera de um mestre, todavia não é o mesmo que o movimento do Tea Party pede.
O mestre que inspira "Ocupem Wall Street" é um mestre que ousou um ato diante do qual Obama, por sua vez, até o presente, recusou: Franklin Roosevelt ousou o confronto e não o compromisso. Ele ganhou as eleições para o segundo mandato com um programa de austeridade e de grandes trabalhos que a grande depressão havia deixado aos USA. Em seu discurso de Madison Square Garden, em 1936, ele dizia isto:
"Durante quatro anos vocês tiveram uma administração que, em vez de girar os polegares, arregaçou as mangas. Nós continuaremos a fazê-lo.
Tivemos que lutar contra os velhos inimigos da paz – o monopólio empresarial e financeiro, a especulação, o antagonismo de classes, o sectarismo, os exploradores da guerra.
Eles começaram a considerar o governo dos Estados Unidos como um apêndice de seus próprios negócios...
Nunca antes as forças estiveram tão unidas contra um candidato. Elas são unânimes em seu ódio contra mim – e este ódio eu o endosso, eu o acolho ...
Eu gostaria que se dissesse de meu segundo mandato, que foi aquele no qual essas forças encontraram seu mestre."
Obama chamado ao ato pelas forças de "Ocupem Wall Street" saberá interpretar este apelo, que é um apelo à solidariedade, em oposição ao do Tea Party?
Um apelo à religação (rebranchement) sobre um laço social digno. Foi o que Roosevelt, De Gaulle, Churchill fizeram em sua época, foi o que Bernard Henry Levy soube fazer ouvir a Sarkozy. Algumas forças concretas pedem um intérprete que não as deixe derivar para a utopia (cf. o artigo de Anaëlle Levovits-Quenehen a respeito dos indignados) É preciso que alguém ouse levantar-se e ocupar este lugar. Obama poderia fazê-lo?
Voltemos agora à página 355 do livro "A Psicose Ordinária (3)". Jacques – Alain Millerproduz aí o seguinte esquema:
Lalangue (alíngua) ◊ Laço Social
Ele acrescenta um comentário sobre o nascimento do conceito de alíngua (lalangue) emLacan. Como a linguagem veicula a norma e como, depois de 1968 na França iniciou-se o "proibido proibir" de servir-se da operação de mestria.
De cara, p.336, alíngua (lalangue) se distingue de linguagem. O que chamamos linguagem é feita de alíngua (lalangue) mais o elemento social que a normaliza. De onde emerge o significante mestre? Da rotina própria à relação social? Da conversação? Do laço social? Mas, se não há laço social sem o significante mestre? É um circulo".
A partir daí, forjando o conceito de alíngua (lalangue), Lacan convida o psicanalista a servir-se do Pai, num mundo em que se deve passar sem ele. Não é um apelo ao pai bicho-papão (fouettard), é um apelo a um pai que saberia dizer sim ao mais particular do sujeito e ligá-lo, por isso mesmo, ao laço social. Isto não é, de modo algum, desprezo pelo Significante Mestre, nem mesmo pelo Mestre, nem ainda pelo "poder", este espantalho foucaultiano. É um mestre que interpreta a sociedade no sentido de uma conexão e não de uma desconexão. Lacan, igualmente, desconfia dos "anarlistas". O mestre esperado hoje é um mestre capaz de produzir o Ato que se destaca do blá-blá-blá administrativo da "governança". Do mesmo modo, convém ao psicanalista produzir o ato que reconecte ao laço social os sujeitos desbussolados.
Seria preciso comentar longamente o matema da punção que o esquema comporta. Ele supõe um lugar topológico e uma ruptura de continuidade. Uma chicana que não põe em continuidade direta a operação do psicanalista e a do servidor do Estado. Entretanto, a Psicanálise não é inimiga do político, pelo contrário. Decididamente, o Tea Party e "Ocupem Wall Street" não são da mesma veia. Um acentua o isolamento dos desbussolados, o outro espera um intérprete que saberia dar peso ao laço social de solidariedade mínima, a que ele chama de seus desejos. É na virada do ato que se situa a nobreza do político. O que me dá vontade de reler as belas páginas de Koyré sobre a República de Platão (4).
Roosevelt soube encarar esta nobreza; Obama poderia fazê-lo?
(1) Rachel Madow Show de 21-11-2011 MSNBC.
(2) New York Review of Books, vol. LVIII nº 1318 – Agosto 2011. Hacker, A., The next election, the surprising reality.
(3) La Psychose Ordinaire, La convention d'Antibes, Agalma – Le Seiul Paris 1999.
O que nós chamamos linguagem é feita de alíngua (lalangue) mais o elemento social que a normaliza. De onde emerge o significante mestre? Da rotina própria à relação social? Do laço social? Mas se não há laço social sem o significante mestre? É um círculo. JAM.
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