quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Lol. V. Stein, quando a literatura é um convite ao entendimento de um caso clinico e seus conceitos.


Denise N.Abreu
Há muitos eixos que nos permitem abordar esse romance, temas que não se esgotam em diferentes leituras.
Diante de nosso estudo de pesquisa, procuro aqui uma tentativa de ‘olhar’, olhar já nos coloca diante do objeto em questão, e acompanhar algumas referencias para que possamos construir uma pequena ideia de como se estabelece esse arrebatamento de Lol. V. Stein.
Arrebatamento-
O termo arrebatamento vem do século treze da mística, expressou sempre em francês, até na época clássica, o fato de levar alguém pela força, uma força superior a qual não se pode resistir, uma forma de êxtases onde a alma se sente tomada por Deus, é a beleza de Deus que opera aí.
Este termo fora então, utilizado por Duras pra nomear o estado de uma pessoa transportada pela admiração ou alegria. Em castelhano arrebato refere-se também a precipitação, fúria ou cólera.
Diferentemente da tradução para o português, deslumbramento que não nos possibilita articular com tal poder da palavra oque de fato significa arrebato, há uma força diferente para qualificar o que se quer dizer, o que quer M. Duras nos dizer. Portanto no decorrer do trabalho não se utilizará o termo deslumbramento.
O arrebato se encontra articulado a uma logica subjetiva que se engendra a dois tempos do fantasma ou tempo de enlace do sujeito com seu corpo. Há um duplo movimento por que o arrebato é a expulsão do sujeito de seu corpo e isto se dá para Lol de forma a assistir a esse movimento como em uma cena quadro a quadro, lento, e isso permite uma condição de envolvimento no qual ocorre uma participação passiva, mas efetiva, como se o sujeito caísse contaminado por um estupor que o joga na cena fora de si. É o que Laurent diz não poder entender a dois, mas um ser a três. O sujeito, Lol, vive uma experiência que clinicamente pode se dizer que se dá uma despersonalização. Ela vê o ‘arrebato’ sob seus olhos é o que Lacan chamou de ‘ acontecimento’.
Ariel em seu texto o caso Lol, revista correio 37, pergunta como a cena do baile é vivida por Lol? Qual a experiência subjetiva de Lol? Qual seu estado psíquico no movimento deste encontro traumático e fascinante?
Há uma parada da imagem, imagem da cena do baile, Richard é capturado pelo não olhar de Anne Marie e Lol é capturada pela cena do casal, uma cena em suspensão que não se conclui. Lol não encontra uma palavra. Desfalece. Lol fica capturada pelo que imagina acontecer com o casal, fora de seu olhar, Lol não cria uma cena não fica construindo possibilidades de um ocorrido, Lol imagina seu noivo despindo a mulher de seu vestido preto, o corpo da mulher aparece ao homem e o corpo de Lol desaparece.
O vestido suporta o fantasma.
Lacan diz, de uma questão preliminar, algo sobre  a ausência de um sentimento primitivo de existência, de sentimento de pertencer de uma condição de sentir a junção sujeito e corpo/ sujeito e afeto/ sujeito e significações .’ há uma desordem provocada na junção mais intima do sentimento  de vida.’
Lol não tem corpo, Lol não apresenta um corpo falado ou inscrito, Lol não parece ter construído uma amarração dos registros RSI.
A reação que Lol apresenta à cena do baile, podemos dizer que não é algo comum, fica paralisada, imobilizada, imersa na cena lentamente no movimento da dança do casal, de certa forma sem angustia e sem sofrimento.
Lol não se conecta de forma emocional com a realidade que se impõe. Fica repetindo as palavras ‘não é tarde, a hora de verão engana’! neste ponto Ariel afirma que são dados precisos para um diagnostico, ‘há uma perda do nexo, um não estabelecimentos de elos’.
Poderíamos dizer que ocorre um desenganche ou uma desconexão no ponto de junção  do mais íntimo do sentimento de vida do sujeito.
O sofrimento de Lol não está direcionado a perda do noivo, não está centrado em um sentimento de raiva ou humilhação ou traição. Está colocado em um nada, um nada insuportável que a determina que a define, nada a pensar, nada a esperar, nada a falar, - não é uma falta de algo que se perdeu e ficou o vazio ou o buraco onde havia algo, é um nada instaurado , simplesmente Nada.
A condição de sentimento de existência do ‘eu’ é perdida, como diz Ariel, o luto que se estabelece é claramente o luto do seu eu, totalmente esvaziado por uma hemorragia libidinal, desarticulado de linguagem e de gozo.
Lucia D’Angelo, ELP, cuerpos hablados,cuerpos escritos nos cita Freud, ‘ segundo Freud o corpo próprio e sobre tudo sua superfície é um local que pode partir simultaneamente percepções internas e externas. O eu é sobre tudo uma essência de corpo, não é só uma essência de superfície, mas sim ele mesmo a projeção de uma superfície. O corpo e a pulsão de morte estão intimamente relacionados. Pois por mais materialidade que este corpo tenha pra que haja representações, seja pela percepção dos órgãos internos, por exemplo, ele se encontra determinado pela linguagem, pelo significante que o faz estar em falta com seu ser, que divide sua existência entre seu ser e seu corpo, entre o ser e ter um corpo. ’
Não há corpo para Lol, não há uma palavra, sem corpo, sem palavra. Isso conduz Lol para além da determinação do sigte sobre o sujeito e ela vai então se agarrar ao que se tem – o vestido, o fantasma que vem suportado por este vestido. Pois este vestido é o que vem substituir o corpo de Lol e não há corpo que faça borda para o olhar. Lol não faz a repetição da cadeia q insiste, no automaton,  mas faz a repetição na reedição da cena fantasmática na busca do ser a três.
Tudo se detém, diz Lacan, isso quer dizer que recomeça sempre e cai sobre a retorica  de Duras que busca situar essa estática do fantasma, um valor de êxtases  do fantasma.
Laurrent , los usos del lapso, confirma com uma questão :’’Acaso não é suficiente para que reconheçamos o que ocorreu e o que revela que passa com o amor, isto é, dessa imagem de si com o que o outro reveste o sujeito, o veste e o que o deixa , quando o despe, despojado seja o que for que  há de seu?
Então a operação que se dá com o fantasma tendo o vestido que o suporta é que o sujeito e o corpo se substituem um ao outro, se recobrem, um corpo substitui outro; um vestido substitui ao corpo.
“É um corpo particular, um corpo que tem uma superfície estranha, posto que esse corpo, disse Lacan, é um envoltório que não tem nem dentro, nem fora e quando a costura de seu centro se dá volta, todos os olhares se dirigem ao vestido” (Laurent los usos del lapso p 400)
Isso define esta topologia do corpo no lugar que ocupa o objeto olhar.
Porque o objeto em causa neste caso é o objeto olhar, também tem desprendido deste ponto o que Laurent destaca é – Lol não estava nunca ali.
O eixo do romance está ligado a questão do olhar e ao lugar que Lol não se encontra.
Todo o ponto de desenvolvimento sobre o olhar se faz então, em lugar e substituição a partir dos movimentos de Lol e do tempo.
Onde Lol coloca seu corpo? Ela mesma responde, a Hold com uma frase, ‘ me demorei longo tempo em coloca-lo em outro lugar que ali onde deveria estar. Agora me aproximo de onde houvera sido feliz. ’
Lol  teria sido feliz se seu corpo estivesse onde exatamente viria a substituição, o desaparecimento do seu corpo e movimento inverso ao gesto do homem livrando o vestido da mulher, fazendo aparecer sua nudez, gesto que não poderia ter lugar sem Lol, diz Catherine Lazarus.
Essa felicidade, em uma tonalidade ,muito singular está ligada a temporalidade e deslocamento do olhar.
Lacan diz disso em uma frase:” desabrigam propriamente a Lol de seu amante... até o indizível dessa nudez que se insinua para substituir seu próprio corpo’, este ponto envolve o momento que se quita o vestido.
Lol em seu baile de debutantes está se fazendo existir com sua feminilidade na mulher fatal, fora dela – estabelece então o ser a três que se coloca nessa mulher bela, desejada, uma figura provocativa em um vestido preto; uma mulher segura de corpo, de ser desejada.
Num outro momento Lol estabelece uma relação feminina em sua casa que está na ordem glacial das coisas onde o feminino está revestido dos cuidados com filhos, marido, ornamentos, jardim, mobílias, uma ordem  regular, uma normopatia como diz V.Palomera.
Neste ponto o objeto olhar através do seu fantasma se faz como ‘mancha’, sob o gesto de um homem (seu marido) sob o olhar do mundo ao seu redor.
‘Lol não estava nunca bem ali.’
Lol sempre fornecia esta impressão às pessoas, um sentimento de ausência e permanência.
Quando tomamos a leitura do corpo pela via do orgânico e do pulsional, temos o real do corpo o que desse corpo está investido em libido. Esse ponto que acumula e condensa a libido é o ‘a’.
Temos a envoltura corpórea, orgânico, e o ‘a’, como algo que sobrou deste condensado de libido ao ser investido no corpo recobrindo esse corpo pulsional, falado e inscrito no desejo e no gozo.
Lol não tem esse corpo pulsional , este corpo falado ou escrito, Tatiana é a possibilidade que Lol cria para encontrar esse corpo, Lol necessita estar nesse lugar, e isso não é pela questão de uma metáfora histérica  no caso Dora, que havia uma questão sobre o que é uma mulher, não é o que se passa com Lol.
Então Lol busca uma reedição no ternário Hold , Tatiana e ela mesma, mas enquanto no primeiro ternário o olhar está na condição de objeto puro, aqui neste momento que Lol introduz Hold, algo muda. Pois Hold introduz uma temporalidade, ele apresenta o olhar e dá a se ver, ele entra na cena como sujeito, na realização do fantasma de Lol.
Recorremos a Lacan em sua ideia de de 3 tempos lógicos para situar Hold;  primeiro ele é tomado pela angustia quando se depara com olhar de Lol, um olhar que o inquieta. Segundo, Hold pensa que Lol o vê e aí o olhar é reciproco porque encobre o olhar q angustia e terceiro ele se mostra e mostra a Tatiana.
Lol não quer ser compreendida isso é o que a enlouquece quando Hold traz ela a participar desse ser a três.
Antes Tatiana e Lol faziam par a-a’ e após o baile não há mais nada.
Hold  oferece um holding para Lol, um engano que a retira de uma condição precária de estabilização, poderíamos dizer.
Em toda essa trama o vestido é um fio condutor, é o que sustenta o fantasma, então a partir desta posição que o vestido ocupa para Lol cabe querer saber sobre o lugar do amor.
Guy Troba, los usos del lapso, parte desta pergunta ‘como e porque revela o que é do amor?’
Ele então parte do amor enquanto narcisismo e que o amante reveste de uma imagem que é a imagem de si mesmo e que Lol se reveste como traje.
Lacan pergunta, - ‘quando se lhes oculta , se os despes da imagem que o outro põe em você , que lhes deixam ser por debaixo? O que lhes permite ser por debaixo desse vestido imaginário?
Trata-se da imagem que o outro nos deposita. A questão é o que sou para o outro? Imagem com a qual me identifico, sendo com a imagem com que sou visto.
Quando o noivo de Lol deixa de olhá-la e fica capturado pela mulher fatal, esse momento é o instante de retirada total desse bordeamento do olhar.
Troba aponta para questão da imagem, dizendo que ‘a ‘ é o que resta daquilo que vestia o esplendor da imagem.
No discurso da EFP Lacan diz ‘assim funciona i(a) a partir do qual se imagina o eu (moi) e seu narcisismo fazendo hábito a este objeto a, resto fundamental da criação do sujeito. ’
Como isso ocorre com Lol?
‘ o baile era o arrebato do vestido de Lol, ela está em seu baile de debutantes e o vestido é o corpo nu para Lol. O vestido é seu corpo porque ela não tem corpo. Quando isso lhe é retirado a partir do não olhar do outro, é retirada a imagem de si mesma no amor de seu noivo e o que aparece é o vazio, o nada. Então, Troba enfatiza, é ali no vestido, no esplendor do vestido que estava o ‘a’ agalmático.
A imagem de Lol é vazia, equivale ao nada, seu noivo leva embora a imagem que a vestia e leva seu ser e deposita em outra. Neste ponto temos o arrebato do ser.
Ficamos por aqui neste momento!




Bibliografia consultada


Revista correio 37- XII Encontro Brasileiro do Campo Freudiano
.
Los usos del lapso JAMiller- Editorial: PAIDÓS

O Deslumbramento MDuras  ed nova fronteira, 1986

http://www.elp-debates.com cuerpos hablados y cuerpos escritos;

“Efeito do retorno à psicose ordinária”, de Jacques-Alain Mille-

A psicose ordinária à luz da teoria lacaniana do discurso  de Marie-Hélène Brousse

OUTROS ESCRITOS; COLEÇÃO: CAMPO FREUDIANO NO BRASIL

LACAN, JACQUES JORGE ZAHAR



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