quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Estabilizar?

Estabilizar?


Marcus André Vieira
Apresentação
O que é levar uma vida estável? Como esta estabilidade incluiria os transtornos que dão 
vida a uma história? Uma estabilização pode ser um objetivo digno para o tratamento de 
alguém sujeito às catástrofes da loucura?
São interrogações na ordem do dia daqueles que se dedicam a acolher o intenso trabalho 
dos psicóticos, extraordinários ou não, para encontrar um lugar ao que lhes devasta. 
Ao longo de um ano, uma parceria entre o seminário “Lições da Psicose”, conduzido 
por Marcus André Vieira na Escola Brasileira de Psicanálise, Seção-Rio, e o Núcleo de 
Psicose e Saúde Mental do Instituto de Clínica Psicanalítica do Rio de Janeiro permitiu 
que os conceitos fundamentais da clínica da psicose segundo a orientação lacaniana 
fossem apresentados e explorados. Ao mesmo tempo, sua pertinência na clínica da 
psicose foi examinada pela articulação com oito casos clínicos apresentados pelos 
participantes do Núcleo. 
Esta publicação resulta deste encontro e desta metodologia que possibilitou uma 
transmissão viva da experiência de analistas que trabalham em instituições de saúde 
mental. A verificação dos conceitos por meio da prática nos trouxe um aprendizado 
único que buscamos compartilhar ao reunir os relatos e as discussões que o tema da 
estabilização provocou no presente volume.
Conclusão
Percorridos tantos dizeres dos encontros entre o discurso analítico e os sujeitos da 
psicose, devemos assentar algum saber que sirva de conclusão? Proponho que se retome 
o termo que serviu de norte ao percurso daquele seminário e desta publicação, 
estabilização. Ele ganhou alguma ordenação prática para além de seu valor semântico já 
conhecido? De fato, cabe perguntar se ele passou a dizer mais do que o senso comum 
nele reconhece – algo a meio-termo entre a inércia (da estabilidade dos sinais vitais em 
um CTI, por exemplo) e a adaptação (estabilidade no emprego, por exemplo).
Transcrevo as notas de um dos últimos encontros. Elas resumem o percurso e permitem
ao leitor, espero, retornar sobre os casos para encontrar as referências conceituais aqui 
apenas indicadas, mas sobretudo verificar se as hipóteses levantadas se sustentam.

Visamos a estabilização, que na estrutura neurótica define-se como a produção de um 
ponto de basta. O ponto de basta é o estabelecimento de uma ancoragem entre os 
nomes e o real, baseada, segundo Lacan na estrutura da metáfora. Um exemplo: “o 
chumbo da nuvem”: um significante, “chumbo”, vem representar um primeiro 
(“pesado”, por exemplo) e entre os dois produz-se um a mais de sentido. Ele é o selo de 
uma verdade. A partir do funcionamento metafórico da linguagem, alguns nomes 
poderão se apresentar como dizendo a verdade sobre o real. A garantia de que esse 
passo de sentido é uma verdade é dada pela crença de que alguém em algum lugar 
conhece a verdade. Essa crença em ação é chamada por Lacan Nome-do-Pai. Dito de 
outro modo, o Nome-do-Pai é aquilo que no Outro garante o efeito de verdade de uma 
metáfora.
                                                
-Apresentação e conclusão do livro Caminhos de estabilização nas psicoses, Rio de Janeiro, ICPAndamento, 20112.

E na psicose? Nela, o delírio é a tentativa de produção de uma metáfora com valor de 
verdade sobre o real, chamada por Lacan metáfora delirante. É a base do delírio. Em 
vez de uma articulação de significantes, como acima, será uma conjunção de 
significados.  No exemplo, o significado se produz pela conjunção de “nuvem”, 
“chumbo” e “pesado”. Ele é algo impreciso que excede o significado habitual de cada 
um dos significantes de partida e que Lacan chamou de significação fálica. É um 
“isso”. Na neurose, portanto, encontramos algo como: “isso é (minha) essência”, mas o 
que é essa essência? Só o Pai sabe. Na metáfora delirante, por outro lado será: “isso é 
um xingamento” ou “isso é a prova de que sou o messias”. “Xingamento” e “messias” 
valem mais pela significação que trazem do que pelo significado que produzirão. Eles 
vêm dar um sentido fixo ao real. É o que Clerambault chama de postulado, que se apoia 
nos significados oferecidos pelo Outro, nos sentidos disponíveis na cultura - as figuras 
do grande homem, do messias, etc. Haveria outros modos de estabilização? Seguimos as
indicações de Lacan no Seminário 3: a metáfora delirante é uma estabilização que 
enfatiza a vertente do imaginário. Fizemos a hipótese de que, seguindo os três registros 
lacanianos, haveria ao menos dois outras vias de estabilização: pelo simbólico e pelo
real.
.
Tudo parte do nó borromeano apresentado por Lacan a seu público por ocasião do 
seminário, O saber do analista. Ele sustenta um tipo muito especial de relação com a 
qual Lacan formaliza a articulação de seus três registros: Real, Simbólico e Imaginário, 
propostos desde o início de seu ensino como modo de ordenar nossa abordagem da 
experiência analítica. Grosso modo, parte-se de uma decomposição essencial do que ali 
se manifesta, entre sua carne (R), sua forma (I) e seu lugar em um sistema (S), ou, para 
ser mais rápido ainda, entre espessura, textura e estrutura. No nó borromeu, dois nada 
têm em comum entre si e o terceiro não intervém como mediador. Como então se 
relacionam? Os três se mantém unidos ao modo da trança e não da relação dual (mesmo 
intermediada por um terceiro ela ainda é ainda dual). Cada fio é independente, não está 
“acasalado” com nenhum outro elo “por si” e ao mesmo tempo a sequência dos 
atravessamentos os mantém unidos.

A estabilização pelo simbólico supõe então que um significante (e não um significado) 
venha dar ancoragem à dança das significações. Ele, porém, não será um significante 
suposto (no infinito) como o Nome do Pai, mas um significante definido 
artesanalmente, ad hoc, aqui e agora, um S1 na álgebra lacaniana. Apesar desta 
concretude, para que a nomeação em questão seja a de um significante, é preciso que ele 
represente o sujeito para um Outro (tal como o nome “Joyce” para os universitários que 
a partir dele devem trabalhar por trezentos anos). Sem este Outro ele é apenas um bloco 
opaco de identificação que petrifica. Articulado a um Outro institui um lugar de sujeito, 
a partir de um nome que pode ser referência. Afora esta via de estabilização, haveria 
outra, pelo real? Inapreensível, ele não teria como apoiar uma estabilização se não fosse
a reviravolta na noção de real empreendida por Lacan em O Seminário 23, O sinthoma
que parte do desdobramento do nó borromeano de quatro elementos. 

Este é o pano de fundo topológico da presença de Joyce neste seminário. Uma primeira 
leitura: no caso de Joyce teria sido preciso um quarto elo para articular RSI que de outro modo ficariam soltos. A psicose seria um acidente de percurso, um déficit no 
enodamento “normal” a três. J. A. Miller propõe outra leitura: que consideremos Joyce 
como paradigma de outra concepção, a de um quarto elo, nomeado por Lacan como 
sinthoma, que valeria para todos, inclusive os neuróticos (onde o Nome do Pai seria o 
sinthoma). É a tese maior da Conversação de Arcachon. O nó borromeano a três deixa 
de ser o apoio fundamental para pensar a constituição do sujeito e passa a ser um modo 
de ilustrar a sonho neurótico de esquecer o quanto é a função paterna que o estrutura. 
Talvez possamos agora falar em estabilização “pelo real”, desde que se entenda que ela
não se sustenta no real “em si”, mas no modo como ele é tomado em uma amarração
discursiva, tornado objeto em uma estruturação sinthomatica singular, para a qual o 
sinthoma é fundamental.

O meio mais rápido de destacar a função deste quarto elemento é chamando atenção 
para as letras que utilizamos para distinguir os registros. O nó borromeano, em seu 
desenho, não distingue qual dos três aros é R, qual é S e qual é I. Por isso sempre que o 
representamos é preciso acrescentar cores, ou simplesmente letras. É um artifício que 
neste caso corresponde ao uso do giz e do quadro-negro, ou do lápis e do papel. Ele é 
análogo ao que cada sujeito psicótico produz para fazer com que as várias coisas
heteróclitas que compõem sua existência possam se manter unidas neste saco de gatos 
que é uma vida. Nos casos percorridos, quais teriam sido estes artifícios? Eles foram, 
nestes encontros, aproximados de uma produção, de uma obra se quisermos (desde que 
bem distante do que evoca “obra” em uma teoria da sublimação, algo elevado, próximo 
do ideal). Ele é bem mais o que Miller situa como invenção, montagem a partir de 
“materiais preexistentes”, restos, pedaços, fragmentos de discurso.

Referências
‘O ponto de basta é um ponto de convergência de todas as linhas de força de um texto’ (III-303) que ‘tal como 
o umbigo do sonho, é um furo’ (III-394). ‘A estrutura metafórica indica que é na substituição de um significante 
pelo outro que se produz um efeito de significação (+)’ (E-518) ou ‘A met|fora brota entre dois significantes,
dos quais um se substitui ao outro em um texto’ (E-510). ‘A estrutura da met|fora é simbolizada pela fórmula 
S’/S = S(+)s (E-518). ‘O sintoma é uma met|fora’ (E-532).  ‘Um pai pode encarnar a função paterna, mas a 
função não se confunde com o personagem’ (E-279). ‘O Nome do Pai diz respeito apenas { função paterna’ (E-
279) ({s vezes chamada por Lacan “pai simbólico”). ‘O Nome do Pai é o pai morto de Totem e Tabu; é o pai 
como elemento de incerteza essencial, pura fé na tradição ou em outros termos, no simbólico’ (E-562) ‘O Nome 
do pai é um furo’ (XXIII-20-26, 36, e Regnault-87). ‘A met|fora paterna é a operação que institui este furo no 
infinito que é o Nome do Pai’ (E-563). ‘O delírio é uma met|fora’ (E-583). Para a “foraclusão generalizada” Cf. 
Miller, J. A. ”Esquizofrenia y paranoia”, Psicosis y Psicoanalisis, Buenos Aires, Manatial, 1985; “Clínica irônica”, 
Matemas, JZE, 1996, pp. 190-200, La conversation d’Archachon, Paris, Seuil, 1998. Para uma demonstração de 
como Lacan pluraliza o Nome do Pai e generaliza o nó borromeu de quatro elos ao longo de seu ensino a partir 
de sua versão formalizada, cf. Miller, J. A. “O Outro que não existe e seus comitês de ética” lição de 18/12/96, p. 
143 e Gueguen, P. G. “La homestasie symptomatique dans les psychoses”, La lettre mensuelle, n. 211, Paris, ECF, 
2002.
Bibliografia

LACAN, J. Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 1998.
Outros Escritos, Rio de Janeiro, JZE, 2003.
O seminário livro 3, Rio de Janeiro, JZE, 2005.
O seminário livro 10, Rio de Janeiro, JZE, 2004.
O seminário livro 23, Rio de Janeiro, JZE, 2007.
MILLER, J. A. Orientação lacaniana, seminário do departamento de psicanálise da Universidade de 
Paris VII (inédito). “O Outro que não existe e seus comitês de ética” lição de 18/12/96.
Lo s inclas s ifica bles de la clín ica ps icoa na lít ica , Miller, jac ques -alain y ot ro s, 
Buenos Aires, I CBA, 2005 o u  La conversation d’Archachon, Paris, Seuil, 1998. 
“Esquizofrenia y paranoia”, Psicosis y Psicoanalisis, Buenos Aires, Manatial, 1985.
“Clínica irônica”, Matemas, JZE, 1996, pp. 190-200.“O último ensino de Jacques Lacan”, Opção lacaniana, n. 35, São Paulo, EBP, 2003, pp. 6-24.
REGNAULT, f. “o Nome-do-Pai”, Para ler o seminário 11 de Lacan, Rio de janeiro, JZE, 1997, pp. 80-

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