domingo, 24 de junho de 2012

Jovens tomam medicamento tarjado para ‘turbinar’ estudos


FELIPE ODA
Um remédio para tratar transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que deveria ser vendido apenas com receita médica, passou a ser usado sem prescrição por estudantes e candidatos de concursos públicos interessados em “turbinar” o cérebro para os estudos. Neste ano, o cloridrato de metilfenidato, comercialmente conhecido como Ritalina ou Concerta, apareceu no rol de medicamentos apreendidos pela Polícia Civil em operações para coibir a venda ilegal de fármacos.
Segundo o delegado assistente Paulo Alberto Mendes Pereira, da 2ª Delegacia de Saúde Pública do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC), há um ano o metilfenidato não constava na lista de medicamentos apreendidos. “Agora, toda operação com medicamentos irregulares tem Ritalina”, diz o delegado. Isso chamou a atenção porque a droga é usada especialmente em crianças. “Investigando o consumidor final, chegamos aos ‘concurseiros’: gente que está estudando para concursos públicos ou vestibulares concorridos”, esclarece.
Médicos ouvidos pelo JT confirmam que jovens sem diagnóstico de TDAH, interessados apenas em aumentar a capacidade cognitiva, têm procurado o remédio. O problema é que a droga, que já é vendida até mesmo pela internet, pode desencadear uma série de efeitos colaterais se mal administrada: convulsões, taquicardia, dificuldade para respirar, confusão mental e espasmos musculares.
O neurologista Rubens Gagliardi, membro da Academia Brasileira de Neurologia, afirma que a Ritalina é potencialmente perigosa para pacientes com problemas cardiovasculares, uma vez que a substância é um tipo de anfetamina. “Nessas pessoas podem ocorrer interações medicamentosas danosas ao organismo”, explica. Há, ainda, problemas de dosagens. Se grande parte das crianças com TDAH toma meio comprimido por dia para se tratar, nos fóruns dos ‘concurseiros’ na web há relatos de gente sem a doença que ingere duas cápsulas de uma só vez.
Para estudantes como André, que prefere não revelar o sobrenome, os riscos compensam. O remédio age diretamente no sistema nervoso central e estimula a produção de noradrenalina e dopamina, substâncias cerebrais que melhoram, por exemplo, a concentração. “Tomei Ritalina por um ano. Consegui uma receita com uma conhecida e experimentei: conseguia ficar até sete horas estudando”, diz o jovem.
O médico de família e homeopata Américo Canhoto também percebe um novo perfil de interessados no remédio. “Atendi recentemente dois pacientes jovens que queriam saber sobre o metilfenidato, ambos sem diagnóstico de TDAH. Um já tomava Ritalina e queria substituí-la, o outro queria começar a tomá-la. Um era estudante de Medicina e o outro queria se preparar para os concursos.”
Dados do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos indicam que, em 2000, cerca de 70 mil caixas de metilfenidato foram vendidas no País. Após nove anos, o número passou para 1,7 milhão. Depois disso, a indústria deixou de informar as vendas. Questionada, a Novartis, que produz a Ritalina, não declarou o total comercializado nos dois últimos anos.

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