quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

A ordem simbólica no séc. XXI. Ela não é mais o que era. Quais as consequências para a cura ?

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por Rose-Paule Vinciguerra



1. A ordem simbólica, seu declínio.
As noites preparatórias não parecem poder evitar uma definição do que se entende por « ordem simbólica » tal como toma seu lugar em Lacan. Lacan começou por referir os efeitos psíquicos ao modo imaginário[1], e o desejo ao desejo de reconhecimento. Tratava-se então para esse último de ser compatível com a ordem do mundo.
A captura do simbólico sobre o humano e a ordem simbólica, propriamente dita, como estruturando a realidade humana serão no entanto muito rapidamente desenvolvidas por Lacan, fora de toda acepção transcendente do símbolo. No « Seminário sobreA carta roubada » particularmente, esta ordem está ligada por uma lei, a lei da linguagem, e a estrutura combinatória do significante se desdobra na história. O inconsciente está estruturado como uma linguagem e ele é também o discurso do Outro onde o emissor recebe do receptor sua própria mensagem sob forma invertida. Esse simbólico, Lacan o articulou particularmente a partir de Saussure, de Jakobson e de Lévi-strauss, destacando-se de suas concepções. A metáfora paterna foi então a pedra angular desta ordem que coincidia com a « subjetividade da época » organizada em torno da instância de um significante-mestre.
O simbólico e sua ordem se revelam então dominantes ao ponto de que a pulsão ela mesma – embora nem tudo possa ser dito – foi escrita em termos significantes e o desejo colocado em termos de significado. Quanto ao imaginário de onde «procedem as confusões no simbólico[2]», só o simbólico pode ser a saída para ele e transcrevê-lo.
Nesta perspectiva, o simbólico é condição de existência na realidade[3] e o real excluído dele como da análise. Nesta época com efeito, o que detém, é a estrutura de linguagem. Há entretanto o impossível a dizer, e o desejo engendrado pelo simbólico vai se revelar finalmente incompatível com a palavra. O simbólico é incompleto, ele é furado na medida em que é impossível detectar o sujeito « aí onde era ».
Se ao longo do ensino de Lacan, o real vai pouco a pouco se situar fora do que é simbolizado, o simbólico como o imaginário serão pensados como defesa contra o real do gozo.
Todavia, seguindo um outro movimento onde os mesmos termos são retomados mas com usos diferentes, Lacan vai elaborar a inclusão do gozo na pulsão e a articulação do significante e do gozo. É particularmente o objeto a que vai condensar em si um elemento de ordem simbólica e um elemento de gozo (no Seminário XI em particular). Lacan irá até conceber uma relação primitiva do significante e do gozo (Seminário XVII). O significante ele mesmo vai se tornar aparelho de gozo. A autonomia da ordem simbólica então se apaga.
No fim de seu ensino, a partir de um início generalizado da psicose, Lacan fará do real o que não obedece a nenhuma lei e exclui o simbólico sobre o qual ele tem a supremacia. « A orientação do real [...] foraclui o sentido[4] ». A este respeito, o objeto ele mesmo torna-se insuficiente para capturar o de que se trata com o real[5]. Como ainda caracterizar o simbólico ? Este será então encarnado na matéria mesma de alíngua, que não é sem o corpo. A palavra é então a de Um sozinho que « fala por si » com a pulsão[6]. Agora, o inconsciente não é mais o discurso do Outro, porque ninguém fala outra língua senão a sua própria. O inconsciente é então uma hipótese que se construiu a partir do buraco no real. Assim, a harmonia do sujeito com o simbólico é apagada e são antes as embrulhadas nas quais este encerra o sujeito que se manifestam na análise. A ordem simbólica não é então mais que uma certa disposição de semblantes.
Na cura, trata-se ainda de « fazer recitar aos sujeitos sua lição na sua gramática[7] », trata-se igualmente de detectar o que se repete e não fala.
2. Efeitos nas sociedades desse deslocamento da ordem simbólica.
Até aqui, o simbólico comportava que cada um tivesse um lugar compatível com os outros na sociedade pelo fato de superar os conflitos do estádio do espelho. O laço social assegurava no entanto a dominação de um significante-mestre que ordenava o discurso. Hoje, o capitalismo desfez as identificações ao Ideal.
Depois que o novo significante mestre tornou-se o mercado comum que Lacan estigmatizava já nos anos sessenta, esse significante-mestre se encontrou dissolvido com a globalização que não é mais que « falsa figura de um falso universal». [8]
De fato, a extensão da democracia demoliu a noção última de significante-mestre. Todo sujeito se torna livre para inventá-lo e a existência do Um sozinho funda o individualismo contemporâneo. Mundialização e inexistência do Outro vão juntos[9] quando o Outro, o Nome-do-Pai como o falo não asseguram mais a conjunção entre as instâncias do simbólico, do imaginário e do real.
O que se ordenava segundo as leis da palavra encontra-se aí em demasia. O efeito Wikileaks atesta o questionamento radical do Outro da boa fé.
Desde então, as ideologias tentam reconstituir o Um através da ideologia do Um da igualdade ou de constiuir o Outro do múltiplo[10] se opondo a toda dominação imperialista, mas o que elas desconhecem, é que só há laço social determinado pela relação ao gozo ele mesmo.
Como, então, esta infiltração em todos os lugares do gozo é mascarada no discurso ? Vemos florescer a reivindicação de felicidade para cada um segundo seu desejo – enquanto são os imperativos estandardizados do momento que se impõem, sem o conhecimento dos sujeitos – ou ainda a invocação de uma «natureza universal e animal presente em cada corpo » - indo até à injunção «Um esforço a mais para se tornar um animal ! », segundo a sugestiva fórmula de Eric Laurent[11]... Mas, o que não se diz é que a relação ao gozo tornou-se uma relação de vício. Não é mais o ingênuo « gozar sem entraves » de maio de 1968. É « gozar ainda melhor e mais rápido ». O frenesi de consumo e façanhas invadiu todos os domínio da existência. Com a secreta esperança de demolir assim a particualridade do sintoma.
As consequências na política desta deflação do significante-mestre são, como tinha notado Eric Laurent, o refúgio na reação fundamentalista com seus correlatos assassinos nas sociedades onde reinou o « culto ao Nome único » divino, ou a eclosão de um mundo que tem a forma lógica do não-todo nas sociedades onde este Absoluto do Nome é abolido. Nesta última forma, « a multiplicidade inconsistente (Cantor) e o não-todo (Lacan) » [12] do gozo feminino tomaram o lugar da ordem simbólica regulada pelo Nome-do-Pai que se tornou um sintoma. Assistimos também hoje a revoluções que trazem esperança, mas nas quais não se sabe se é o Absoluto do nome divino que triunfará ou a forma mais generalizada da civilização intotalizável. As sociedades contemporâneas são rasgadas entre essas duas formas, embora a psicanálise só se exerça na segunda.
Mas, pior ainda que a religião sobre a qual Lacan dizia que estava progredindo, o que Lacan temia parece bem ter lugar: a ciência se substitui à religião, « muito mais despótica, obtusa e obscurantista » que ela[13]. A ciência rejeita o Nome-do-Pai e ela gostaria que « o real, esta coisa monstruosa que não existe, termine por prevalecer». Se a ciência pôde parecer tratar o real pelo simbólico e repelir sempre para mais longe os limites do real, na verdade ela produz com suas fórmulas um novo real que exclui todo sentido e invade o espaço. Não é mais a questão da existência de Deus que interessa hoje ; o que prevalece na perspectiva científica, é a existência da natureza suposta a nos dar o horizonte de uma nova humanidade.
3. Quais podem ser os efeitos desta dissolução na ordem dos gozos individuais ?
Se a ordem simbólica hierárquica e o significante-mestre constituíam uma defesa contra o que há de problemático na relação sexual, hoje, como formula Jacques-Alain Miller, « o sujeito se confronta mais diretamente com o que há de problemático na relação sexual ». Há com efeito confronto com o que o gozo tem de não negativado. Não podemos mais capturar isso pelo viés do falo como terceiro termo entre os sexos e como poder de significação.
O que prevalece então, é o autismo do gozo. Os sujeitos se encontram entre angústia e tédio e a este respeito, « a relação entre os sexos vai se tornar mais e mais impossível » [14]. O Um sozinho, comandado por um mais de gozar ansiógeno, « será o estandarte pós-humano ».
Com a ascenção ao zênite do objeto a, assim erigido como objeto tirano, é o fragmento pulsional que reina. Objeto oral com a adicções onde o Um de gozo se reitera sem fim. Objeto anal com a multiplicação dos dejetos (civilização do esgoto) de uma parte e a tesourização de outra parte (A este respeito, o próprio mercado de arte tornou-se máquina para a especulação financeira e rentabilidade à curto prazo. Ele leva ao ápice uma arte que se situa no nível do pós-prandial, das latrinas e do obsceno. Obrigado a nos fazer gozar, parece só se entreter do que Proust chamava o esnobismo do canalha). Objeto escópico ainda nas telas multiplicadas nas quais os sujeitos, supervisionados nas suas menores escolhas, são manipuláveis à vontade. Objeto vocal, enfim, sob a forma de objetos de comunicação « mascarando o que há de mais real na voz », o comando. Esta invasão do objeto a entretanto não é para se interpretar como hedonismo, porque a incidência da pulsão de morte está sempre operando.
Esse crescendo de um « mais-de-gozar a-sexuado » só deixa mais evidente a inexistência da relação sexual enquanto que no discurso do mestre, esta inexistência era uma verdade recalcada pelo significante-mestre.
Mas além mesmo do objeto a que permanece um « enforma do A », é sobretudo o não localizável do gozo feminino, excedendo toda ordem fálica, que leva a reconsiderar o impasse da relação sexual na ordem dos gozos.
Vemos então surgir a ruptura das formas instituídas de união entre os parceiros, a criação de novos significantes-mestres entre os gays recusando qualquer identidade, também sua demanda de aceder à instituição do casamento, as segregações múltiplas, as novas fecundações, os remanejamentos dos corpos visando uma humanidade futura liberada das contingências anatômicas. Aparece então a crença em uma sexualidade nova que não é de fato mais que « um questionamento das atribuições identitárias do gozo » [15]. A idéia subjacente a esses questionamentos é que a ordem simbólica antiga é causa de toda repressão de gozo. E as comunidades de identificação funcionam « como fundamento imaginário de uma neogarantia simbólica » [16].
4. Quais as consequências sobre os sintomas e seu « tratamento » ?
O sintoma permanece, como tinha notado Marx antes de Freud, « signo do que não funciona no real » [17]. A inconsistência do Outro, os significantes-mestres que são deslocados ou desfeitos hoje têm então engendrado novos sintomas.
A partir do declínio do pai, não nos interessamos mais pelo parricídio, mas pela criança maltratada, como tinha enunciado Eric Laurent. A partir da sociedade de consumo, há um interesse crescente pela anorexia e a bulimia. E «é necessária a crise na questão do real para que a depressão [...] tenha este império » [18]. Os avanços das técnicas de fecundação desencadeiam as angústias em torno das questões de filiação, de adoção, de parentalidade. A civilização contemporânea produz reconfigurações formais dos sintomas. Esses não são mais classificados segundo entidades clínicas, mas se repartem segundo normas inéditas que promovem os novos faróis do gozo no seio desta civilização. Certos sintomas nascem, outros desaparecem, às vezes segundo as necessidades econômicas dos laboratórios ou dos defensores da reeducação comportamental (testemunham isso os cartazes colocados na cidade para banalizar o autismo).
Ao contrário dos sintomas estandardizados, a clínica lacaniana nos permite nada ceder no que diz respeito à particularidade de cada caso, e a clínica do último Lacan de refinar nossas observações diagnósticas, tanto para as psicoses « ordinárias » quanto para os « inclassificáveis » da clínica.
A este respeito, é sobretudo na dialética do sentido e do real que os novos sintomas não chegam mais a se inserir. Para Freud, com efeito, o sintoma implicava que havia « sentido no real » [19]. O saber dado na associação livre era suficiente para tratar o sintoma que como tal fazia obstáculo ao discurso imperativo[20].
Mas hoje, há « cisão do real e do sentido » ; há a cisão do ser do sintoma. Não se tem mais a idéia de que precisa-se falar para atingi-lo. E o discurso da ciência que produziu um novo real suposto dominar todo simbólico não faz mais que reforçar isso.
Lacan, ele, não recusa o saber no real, mas este último fica sem lei e não faz o acordo entre os sexos. Os sintomas, mesmo quando articulados em significantes, são sintomas da não relação sexual. O real que eles interrogam excede todos os semblantes. Nenhuma ordem é aqui preexistente para caracterizar em que os sintomas a derrogariam. Então se pede à psicanálise « nos desembaraçar do real e do sintoma » [21].
Diante desta deflação da ordem simbólica antiga, assistimos a uma afobação terapêutica: seja que os sintomas são tratados pela bioquímica, seja que se privilegia do sentido abundantemente, mas é uma escuta de puro semblante que aí responde quando não é uma escuta autoritária. O sentido é inequivocamente nivelado e o sintoma desmentido, ou bem escorre por toda parte. A clínica lacaniana não amordaça nem faz proliferar o sentido do sintoma. O que lhe permite desfazer as identificações alienantes. Além do Nome-do-Pai com o qual ela continua a operar, ela leva em conta no sintoma o real, « parasita do gozo ».
5. Como se pode então exercer a prática lacaniana hoje ?
Em 1968, Lacan já dizia : a psicanálise « é sintoma do ponto do tempo onde chegamos no que chamarei com essa palavra provisória, a civilização »[22]. Mas, como formulava Jacques-Alain Miller em «Une fantaisie», se estamos hoje sem bússola, estamos « sem discurso » ? Se nosso mundo não pode ser colocado em ordem pelos universais, então dizer « o inconsciente é eterno » volta a tentar fortalecer um refúgio puramente imaginário. Que dizer também da exaltação do simbólico veiculado pela tradição, ou mesmo da reivindicação das «convergências entre a Bíblia e a Traumdeutung »[23], da transformação « em standards da metáfora paterna »[24] ? Não é fazer fundo sobre uma concepção obsoleta do simbólico ? O analista não tem com efeito de ser nostálgico do Nome-do-Pai. Por mais impossível que seja sua posição, ele não pode estar na contramão da mudança na civilização. A inconsistência do Outro – aquela da civilização e aquela que ele aprendeu de sua análise – é antes o que ele tem de suportar.
Por isso, o analista deve ser tolo do progresso ? e de qual progresso? da multiplicação de « latusas » [25], das satisfações sempre mais disponíveis, com seu cortejo de demandas sempre novas ? Ignorando que assim a falta-a-gozar se estende à superfície do globo, o psicanalista não seria mais que um « colaborador » do sistema how to? Ele pode ainda ser tolo do progresso do discurso científico e de suas consequências sobre a psyché ? Aqueles que cedem a esta tolice não fazem mais que colocar a psicanálise no passo das falsas ciências acreditando colocá-la no passo do real da ciência. Como o nota Leonardo Gorostiza, é com esta « tradução neurocognitiva da psicanálise » que devemos jogar nossa partida[26]. Como o sintoma analítico poderia responder ao sintoma da ciência ?
O analista não é por isso igualitarista. Face à exigência contemporânea de transparência igualitária entre analisante e analista[27], o analista lacaniano, ao contrário, instaura uma hierarquia. O inconsciente do analisante e o analista estão do mesmo lado, mas, por seu silêncio, pela economia de sua palavra, pela presteza de sua interpretação, o analista permite entretanto que se instaure o sujeito suposto saber. A este respeito, o ato analítico não suporta o semblante. Mas, contra o autoritarismo do DSM[28], ele deixa ao sujeito sua liberdade de associar e o faz reconhecer sua responsabilidade.
O analista não trata nem pelo saber nem pelo S1 nem por objetos substitutivos. Ele permite simplesmente que, pela divisão subjetiva, o sujeito tenha um acesso um pouco mais flexível a seu inconsciente.
Entretanto, se o sujeito suposto saber é o pivô da transferência, o que se tornam esse sujeito suposto saber e a ordem simbólica que ele implica quando, na cura, esta empalidece em relação ao real do gozo em jogo ?
Se com efeito a relação dos sujeitos com o gozo agora dos Uns disjuntos, como fazer existir o inconsciente como saber, como fazer existir a relação simbólica entre S1 e S2 ? « Quem não está enamorado de seu inconsciente erra » dizia Lacan em « Les non-dupes errent » [29]. É necessário, então, com Lacan, inverter a perspectiva e perceber, como ele o fez no fim de seu ensino, que de agora em diante, « é a transferência que é o pivô do sujeito suposto saber » [30]. Porque é ela que permite ao Um sozinho entrar em relação com o Outro do saber inconsciente. A este respeito, a presença do desejo do psicanalista pode suscitar este amor que os sujeitos não têm espontaneamente pelo saber inconsciente.
Não seria necessário acreditar por isso que a ação do psicanalista se desenrola no horizonte para atingir uma plenitude. Porque os psicanalistas são também vítimas da psicanálise. As consequências da psicanálise se voltam sobre seu próprio exercício. Os semblantes do Édipo e da castração empalideceram e o impossível de agora em diante tornou-se condição desta. O analista está assim no lugar do « isso rateia » que é a manifestação da relação com este impossível. A contingência do sucesso em psicanálise não invalida a lei da falha. Antes, é a demonstração disso.
Se a prática lacaniana sofreu uma «deformação, uma transformação no sentido topológico » [31], como o sublinhou Jacques-Alain Miller, é esta transformação mesma que lhe permite superar as consequências.
Quais são então, nesse contexto particular as tarefas do analista ?
Acreditar e fazer acreditar no sintoma
O analista só considera um sintoma em particular. Ele acredita nesta particularidade, no encontro traumático que ela veicula. Mas ele tem também que fazer o sujeito acreditar no seu sintoma como « modo de gozar do inconsciente enquanto que o inconsciente o determina » [32] ; a fazê-lo acreditar no seu sintoma como acontecimento do corpo. Ao contrário de todos os tratamentos do sintoma pela dimensão do imaginário do corpo. Ele pode assim « devolver o sintoma à sua dupla contingência [...] inscrito num Outro já aí e num corpo onde ele acontece » [33]
Em se fazendo assim o complemento do sintoma, o analista pode opor-se à identificação a um sintoma comum e remeter em atividade o agalma que estava petrificado. Mas se o sintoma pode se aliviar, ou mesmo se esquecer, como o analista deve se tomar para que nos últimos tempos de uma análise, a parte irredutível, permanente do sinthoma seja reconhecida pelo anaisante sem por isso ser depositada no registro da reação terapêutica negativa ? Como ele pode, a este respeito, fazer fracassar a promessa de felicidade que o analisante tinha colocado nele e lhe fazer reconhecer sua identidade sintomática ?
Incomodar a defesa
O analista não se encanta com a liberação dos costumes « já que ele percebe nisso o avesso, o novo império do gozo »[34] que não é outro senão o imperativo de gozo do supereu.
De saída, o analista está no lugar do objeto a, no lugar do « que excede a representação » [35], mas ele tem a ver também com a inconsistência do Outro. É entretanto a partir do vazio da ordem simbólica que ele pode incomodar a defesa. Incomodar e não significar a defesa. Mas para isso, é preciso que ele se oriente para o ponto de não-simbolizável de seu próprio gozo para se manter à distância dele e que esse lugar esteja deserto para que haja chance de advir um ato analítico.
Tornar factício o Nome-di-Pai e colocar a questão da nominação.
O desejo do psicanalista é seguramente de obter a diferença absoluta, como formulou Lacan no Seminário XI, mas o que aparece mais tarde em seu ensino, é que o psicanalista tem que « saber fazer aí » com a incidência imaginária e simbólica do gozo do mesmo modo que com sua incidência real. Para que a contingência do modo de gozo do sujeito apareça, é preciso que o analista tenha suportado a prova feita por esse último do necessário da estrutura e do impossível da relação sexual.
O que desloca então a questão do pai, é o falo como ponto de gozo inapagável.. Assim, Lacan pôde dizer que « o Nome-do-Pai é [...] qualquer coisa de leve » [36]. A este respeito, o Nome-do-Pai se revela no fim como nada mais que um nome de modo de gozo. O analista permite então que se coloque para o sujeito a questão de sua nomeação: aquela do sintoma, do fantasma e a do sinthome, que se opera do retorno do ponto de fixação do gozo e se opõe a todo « nomeado-à » materno. É nesta condição que ele pode se opor à angústia e ao tédio gerados pela civilização contemporânea. Assim pode-se dizer que « o avesso analítico da civilização contemporânea é o conjunto inconsistente das interpretações dadas a esses sintomas[37] ». A psicanálise, dizia Lacan em 1975, é um sintoma que apareceu tarde, porque era necessário que « alguma coisa se conserve (sem dúvida porque está em perigo) de uma certa relação à substância, à substância do ser humano » [38]. Mas, acrescentou ele, é um sintoma que não se pode reduzir.
Traducción: Ruskaya Maia.
Notas:

  1. Lacan J., « Propos sur la causalité psychique », Écrits, Paris, Seuil, 1966, p. 178. Retomado por Jacques-Alain Miller em seu curso de 2011 e particularmente a partir da aula de 26 de janeiro de 2011.
  2. Lacan J., Écrits, op. cit., p. 717.
  3. Miller J.-A., « A orientação lacaniana. O ultimíssimo Lacan », aula de 15 de novembro de 2006, inédita.
  4. Lacan J., Le Séminaire, livre XXIII, Le sinthome, op. cit., p. 121.
  5. Miller J.-A., « A orientação lacaniana », aula de 6 de dezembro 2006, inédito.
  6. Miller J.-A., « A orientação lacaniana », aula de 13 de dezembro 2006, inédito.
  7. Lacan J., « L’étourdit », Autres écrits, Paris, Seuil, 2001, p. 492.
  8. Laurent É., « Les enjeux du congrès de 2008 », texto publicado no site do VI congresso da AMP, Os objetos a na experiência psicanalítica em junho de 2007.
  9. Miller J.-A., « A orientação lacaniana», aula de 12 de março de 2008, inédita.
  10. Laurent É., « Les enjeux du congrès de 2008 », Lettre Mensuelle, no 261, p 21..
  11. Laurent É., « Les enjeux du congrès de 2008 », texto publicado no site do VI congresso da amp, Les objets a dans l’expérience analytique em junho de 2007.
  12. Miller J.-A., Le neveu de Lacan, Paris, Verdier, 2003, p. 165.
  13. Lacan J., « Il ne peut pas y avoir de crise de la psychanalyse », republicado em Le magazine littéraire, fevereiro de 2004, p. 28.
  14. Miller J.-A., « Une fantaisie », Mental, no 15, p. 19.
  15. Laurent É., « Pourquoi Lacan aujourd’hui ? », artigo publicado no site da ECF.
  16. Laurent É., « Un nouvel amour pour le père », La Cause freudienne, no 64, p. 86.
  17. Lacan J., « Le Séminaire », livre XXII, « R.S.I. », aula de 10 de dezembro de 1974, in Ornicar ?, no 2, p. 96.
  18. Laurent É., « La société du symptôme », Quarto, no 85, p. 22.
  19. Miller J.-A., « Une fantaisie », op. cit., p. 21.
  20. Ibid., p. 22.
  21. Lacan J., « La troisième », Lettres de l’efp, n°16Novembro 1976,p 186.
  22. Lacan J., Le Séminaire, livre XVI, D’un Autre à l’autre,1968-1969, Paris, Seuil,2006, p 31
  23. Miller J.-A., « Une fantaisie », op. cit., p. 16.
  24. Miller J.-A., alocução pronunciada na conclusão do colóquio Peurs d’enfants de 19 março de 2011, notas manuscritas.
  25. Lacan J., Le Séminaire, livre XVII, L’envers de la psychanalyse, Paris, Seuil, 1991, p 188.
  26. Gorostiza Leonardo,, Résonances d’ »Une fantaisie ». Site web do VIII Congresso da AMP.
  27. Tal como a preconiza Owen Renik para quem « o sujeito suposto saber é suposto saber como melhor maximisar os embaraços de sua relação com o gozo» [Laurent É., « L’ordre symbolique au XXIe siècle », La Cause freudienne, n° 76, p. 148.]
  28. Cf. American Psychiatric Association, dsm-iv, Manuel diagnostique et statistique des troubles mentaux, 4e éd. (Version Internationale, Washington DC, 1995), trad. franç. J.‑D. Guelfi & al., Paris, Masson, 1996.
  29. Lacan J., « Le Séminaire », livre XXI, « Les non-dupes errent », leçon du 11 juin 1974, inédit.
  30. Miller J.-A., « Une fantaisie », op. cit., p. 27.
  31. Ibid., p. 20.
  32. Lacan J., « Le Séminaire », livre XXII, « Les non-dupes errent », leçon du 18 février 1973.
  33. Laurent É., « La société du symptôme », op. cit., p. 22.
  34. Ibid., p. 21.
  35. Laurent É., « L’ordre symbolique au XXIe siècle », op. cit., p. 149.
  36. Lacan J., Le Séminaire, livre XXIII, Le sinthome, op. cit. p. 121.
  37. Laurent É., « La société du symptôme », op. cit., p. 22.
  38. Lacan J., alocução pronunciada quando da Jornada de Cartéis, 13de abril de 1975 in Lettres de l’EFP, n°18 , 1976, p 269.


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