NÚMERO 226
▪ Crônica : « O inconsciente na crise » ▪
A Grécia sintoma da Europa
por Réginald Blanchet
« O curso de evolução da União europeia parece muito com uma sequência de boom seguido de rompimento, como uma bolha financeira» (Georges Soros, O caos financeiro mundial,Presses de la Cité, janeiro 2012, p.42). A união europeia reduzida ao passo da bolha financeira, o diagnóstico poderia relevar de incongruência se ele não proviesse de um conhecedor.
Georges Soros, bilionário em vista, é também o gestionário emérito, que sabemos, de fundos especulativos. Teríamos, evidentemente, facilidade em falar
de imputar a este mestre da finança internacional, de sucumbir ao autismo profissional que debocha do provérbio japonês. « Se a sua única ferramenta é, ele diz, um martelo, tudo parece com um prego». Não faz mal.
Os experts são unânimes. A zona do euro está ameaçada de explodir. A crise financeira que a atinge traduz a evolução divergente das economias nacionais que a compõem. Concretamente, a Alemanha registra uma balança dos pagamentos dos excessos realizados com os parceiros comerciais da União, onde a balança comercial permanece deficitária. Por outro lado, em razão da política de compressão dos salários levada nos anos 90 e sacrifícios consentidos a este efeito pela sua população ativa, a competitividade da economia alemã é a mais forte na Europa, principalmente em relação aos países do Sul e da zona do euro. Isso permite financiar a sua dívida a taxas baixas no mercado, à diferença destes últimos (Grécia, Espanha, Itália) e da Irlanda.
Em um tal contexto, a Grécia faz figura de sintoma da União econômica e monetária.Ela é um condensado da evolução problemática e divergente das economias da zona: baixa competitividade, sobre-endividamento, deslocamentos industriais. Ela se encontra presa na armadilha de uma moeda única que, ao invés de fazer convergir as economias da zona a um standard comum, como era de se esperar, acentuou as divergências de desempenho. Ao invés de provocar um mais de produtividade, ela foi a fonte da formação de bolhas, a partir de um endividamento generalizado. A Grécia é um exemplo tipo disso. Ela foi tomada neste movimento geral das economias em que o real transborda. Não sem ter, ela também, mas de maneira desigual, seguido os argumentos de sua população, tirado proveito. Não é também sem ter acrescentado sua própria desordem à desordem global. Daí, os movimentos de momento da verdade que toma a crise atual. É o momento onde o desacorrentamento de um real requer ser levado em conta sem que, portanto, a solução a tomar para o seu tratamento, seja identificável. Daí também estes efeitos de desordem e de deiscência subjetiva que notam os observadores sobre as partes em presença, principalmente os responsáveis políticos e econômicos. É aí o contra golpe do impasse do real. Nos termos de G. Soros, « pensar o impensável a fim de render o impossível», aí está o que exigiria, segundo ele, a situação de crise. Então, melhor resolver a quadratura do círculo.
Da mesma forma, Jacques Sapir (« Faut-il sortir de l’euro », Seuil, janeiro de 2012), evoca
« o fenômeno clássico de dissonância cognitiva» que toca os atores da vida política e econômica. « A dissonânia cognitiva descreve a distância que pode existir entre a representação da realidade e a realidade mesma». Ela se traduz por « uma desorganização e uma dificuldade quase física para os atores a agir. É o que chamamos a negação da realidade, também, tanto voluntária (na qual convém falar de dissimulação), quanto involuntária e, mesmo, inconsciente» (p. 138-39, p. 181).
Não saberíamos ser mais claros quanto aos efeitos do real, por definição inassimilável ao sujeito, e seu poder de desorganização deste último: na ordem do pensamento, até o entendimento, mas ainda da ação e já do ato. A protelação à repetição dos responsáveis europeus quanto à conduta de manter, a cada recuperação da crise financeira, o mostraria à vontade.
A Grécia, sintoma da Europa, diz primeiramente a desorganização sentida diante deste real, sobre o qual, não tem mais, verdadeiramente, uma barra. Os economistas e os analistas da vida política sublinham em coro, o caráter auto-realizador da crise financeira. A má dívida, a que o reembolso não é confiado ao estado de uma economia tal, gera uma má dívida, a que não poderia ser reembolsada, devido aos juros altos que serão aplicados, em razão mesmo de seu caráter duvidoso. Pelas mesmas razões, o super-endividamento produz o super-endividamento, o serviço da dívida ampliando esta ao infinito. A moral da história é o colapso. O sistema se autodestrói: seu limite é o sem limites, seja o nada ou a eternidade, como queremos. A crise é o momento onde a perspectiva de autodestruição se faz presente. É fato que J. Sapir percebe, «as autoridades da zona do euro perderam todo controle sobre o acontecido».
Ter tomado para si suporia modificar toda uma visão das coisas, de colocar no ponto, uma política que concilia o que está, até agora, inconciliável (os interesses e as aspirações de uns e outros), e fazê-lo na urgência. O tempo da crise, o tempo que se apressa é um fator decisivo. As respostas que valiam pouco ou nada em um momento viram obsoletas no instante seguinte. Elas continuam incertas e contraditórias. Melhor dizer que a solução não existe. A bricolagem mesma é precária.
Sobre isso, também, a Grécia faz figura de um sintoma por excelência. Sua situação é simplesmente impossível.
Digamos o fato, o único que vale, o ponto de real ao lado de que todo o resto não é mais que literatura: a Grécia é indissolúvel. Todas as coisas sendo iguais não pode, não poderá ser de outra forma. Até então, de duas coisas, uma. Em substância, ou o país falha diante da sua dívida ou ela é apagada. No primeiro caso, sua saída do euro se impõe. Isso permitiria à economia, ganhar novamente a competitividade que convém para seu relance. A queda severa da drachme será a ferramenta para isso. Pela sua amplitude, ela levará consigo a catástrofe econômica a curto termo, quer dizer, sacrifícios enormes a todos. Pode-se temer, no entanto, que sejam os mais fracos que peguem essencialmente. De outro lado, na falta de uma instância externa, quem faria valer a necessidade ou até mesmo impor as reformas institucionais que o país necessita urgentemente, tocando a organização do aparelho do Estado, notadamente, estariam, assim, entregues ao imprevisto das circunstâncias e do oportunismo político, tão fortemente ancorado na moral da sociedade. O recolhimento do imposto, previamente, o assujeitamento de todos ao dever de contribuição e a suspensão das isenções escandalosas (os amadores, a rica Igreja ortodoxa, entre outras) e, ainda, a sua repartição justa da renda, se imporia à evidência diante das prioridades. A via da emancipação monetária se apresenta, então, como uma aposta. É uma aposta de alto risco. Ela alia à certeza de um tormento econômico violento, os imprevistos de reformas absolutamente indispensáveis. Mas, aí significa omitir ao excedente, o peso da contingência, a vinda «do evento imprevisto» sempre possível, até mesmo provável, em uma conjuntura de crise grave, no qual ele poderá excluir os efeitos incalculáveis que poderiam ir até o caos político e social. Tomamos, então, a medida do desafio. Ele é, propriamente, dissuasivo. Raros são aqueles que aqui se mostram prontos a tomar partidos. Os eleitores gregos vêm significar massivamente por parte deles. Eles desejam permanecer na União e no euro.
A alternativa do apagamento substancial da dívida supõe fazer financiar pela União europeia. No estado atual das coisas, esta perspectiva releva a quimera. A Europa do Norte se recusa. A supor que a orientação política tenha sido tomada medianamente, que a ajuda financeira não seja incondicional e, menos ainda, a fundos perdidos, as condições institucionais de sua implementação exigiriam longos processos de elaboração. Sonhemos somente com a reforma do estatuto do Banco Central Europeu: ela implica a intervenção de um complexo de emendas constitucionais nos países membros. Os Estados-Unidos da Europa e, mais modestamente, a união orçamental e fiscal europeia, não são para amanhã. As transferências de soberania das instâncias nacionais à instância europeia colocarão, além disso, delicados problemas quanto ao exercício da democracia representativa. Em todo caso, a supor que os povos dão o seu consentimento a este projeto, o que está longe de estar conquistado, sua realização demandará, certamente, muito tempo. Mas, pior que o inconsciente, a crise não deixa tempo ao tempo. As transferências de recursos do Norte ao Sul, o tipo de planos Marshall que os economistas chamam de pedido deles para paliar os déficits de estruturas das economias da periferia europeia, não poderiam intervir menos: o federalismo é requisitado. Isto significa por enquanto, que os políticos de disciplina orçamental, para falar a verdade, de austeridade e de recessão econômica que impõem a hegemonia alemã, serão seguidos, apesar de seu fora-de-sentido econômico denunciado pelos especialistas.
Temos aí, a outra face do sintoma grego da Europa. Ele não exprime somente o que vai mal no real, ele o reproduz e o intensifica. A política que visa tratar o sintoma (medidas de austeridade), amplifica a precariedade da economia e agrava sua insolubilidade. (Ler Paul Krugman ainda no New York Times do 17/06/2012 « Greece as Victim »). Tal é, então, o impasse. Sair do euro ou ficar às condições de recessão impostas atualmente é escolha impossível. É o vivo do drama grego : a níveis diferentes, claro, as duas alternativas são impraticáveis, uma e outra. Se mirarmos o que vale para a Grécia mutatis mutandis para os países do Sul da Europa, a conclusão pareceria dever se impor: «não é mais com uma crise de governança que estamos confrontados, mas com uma crise existencial da Europa». Se o curso das políticas atuais devia permanecer imutável, a questão da desintegração da Europa seria colocada, pelo menos quanto a moeda única. Tal é a opinião de analistas reputados, que eles se coloquem como defensores do euro, assim como Georges Soros, como Jacques Attali (« O quinto suicídio europeu », 21/11/2011, como L’Express, « Construemos a Europa de renascimento », Le Monde du 9/5/2012,) ou como Michel Aglietta (« Zone euro – Explosão ou federação», Michalon Editions, janvier 2012), ou seus desprezadores como Jacques Sapir (Le Monde, 25/5/2012) ou Frédéric Lordon (« O começo do fim», Le Monde diplomatique, Os blogs do Diplo, 1 août 2011 ; « A falsa solução dos eurobonds», Os blogs do Diplo, 1er juin 2012).
Deste ponto de vista, os resultados das eleições legislativas de domingo não regra nada. Não quer dizer que as coisas seriam apresentadas sob um dia melhor, se fosse diferente. As duas escolhas em presença permanecem, mas, poderia ser diferente nas circunstâncias de crise aguda e de mudanças profundas da representação política? Além da questão: nada menos que a refundação da nação em torno de um projeto de querer viver junto, de outra forma. Pois, alguma coisa de ruim é bom. Permite decidir o que não pode durar no que vai mal. O medo está na matéria ruim conselheira e a aventura política, perigoso. Não é aí, a culpa, somente dos políticos. Os tempos de crise fazem com que o povo tenha a tendência a se enganarem e portarem à alteridade que os divide, a responsabilidade do que não vai bem no real. Os políticos do Mesmo acham aí, sua mola propulsora. É, em baixas palavras, a Alemanha que sonha com uma Europa a sua imagem e a sua imagem. É, ao extremo, o nacionalismo néo-nazi que vem fazer uma entrada inquietante no Parlamento grego e defende a purificação do sangue helênico. Em homenagem, ele exige que seja versado o sangue do Outro: caças ao homem, agressões físicas dos imigrantes e dos traidores que toleram a sua presença. Fazer existir à força, a ficção de um « nós-mesmos » sem Outro, volta, na regra, a alojar no Outro, o objeto de gozo (o racismo). De maneira simétrica, visar o Outro a seu gozo (o laxismo econômico dos países do Sul em oposição ao egoísmo patrimonial dos países do Norte) é maneira oculta de negar a ele, o direito de existir na sua singularidade. O aspecto mais astuto da crise financeira que varre a Europa e, logo, sem dúvida, o Ocidente, poderia sair, para terminar, a esta guerra dos gozos. A sua própria é de mobilizar uma contabilidade fantasmática do gozo em que o balanço não pode jamais se equilibrar. Seu axioma, infalsificável por definição, é que sempre e por toda parte, o Outro goze mais, e mais que da razão. A Europa saberá se fazer um novo sintoma, seja a ficção que poderá juntar o que não é feito para se suportar mutuamente? O desenho europeu vive o dia seguinte da Segunda Guerra mundial. Ele intervém expressamente, deve-se lembrar para responder ao que está em relação à paranoia, seja ao querer que entende assujeitar o Outro, o destruir mesmo, para abolir o Gozo na sua quintessência.
Tradução: Fernanda Azevedo.