Os
pacientes apresentaram diferenças na atividade cerebral quando tiveram
lembranças traumáticas comparados com voluntários saudáveis em um estudo
publicado na edição da revista JAMA Psychiatry do mês passado. Além de
apoiar a teoria de Freud e ajudar a explicar uma das reclamações mais
comuns ouvidas pelos neurologistas, a pesquisa poderia criar novas
abordagens de tratamento para os pacientes cujos sintomas costumavam ser
menosprezados pelos doutores no passado.
“Trata-se do primeiro artigo de que eu sou ciente que realmente mostra que eventos traumáticos prévios definitivamente podem desencadear esse tipo de resposta motora”, disse John Speed, professor de medicina e reabilitação física na Universidade de Utah em Salt Lake City, que não esteve envolvido na pesquisa. “Isso é muito estimulante”.
“Trata-se do primeiro artigo de que eu sou ciente que realmente mostra que eventos traumáticos prévios definitivamente podem desencadear esse tipo de resposta motora”, disse John Speed, professor de medicina e reabilitação física na Universidade de Utah em Salt Lake City, que não esteve envolvido na pesquisa. “Isso é muito estimulante”.
A
pesquisa é uma das mais recentes que demonstram como dispositivos de
escâner cerebral feitos por companhias como a Siemens AG, a General
Electric Co. e a Royal Philips NV estão sendo usados para ajudar a
desvendar sintomas neuropsiquiátricos que costumavam desconcertar os
médicos.
Os
cientistas utilizaram imagens de ressonâncias magnéticas (fMRI) para
acompanhar mudanças no fluxo sanguíneo para áreas específicas do cérebro
enquanto se perguntava aos participantes sobre seu passado, o que
produziu vistas anatômicas e funcionais dos seus cérebros.
As
lembranças reprimidas foram um princípio das teorias psicológicas de
Freud sobre a natureza dos processos mentais inconscientes. O
neurologista austríaco, que ficou conhecido como o pai da psicanálise,
usou o termo repressão para descrever a forma em que eventos
emocionalmente dolorosos podiam ser bloqueados fora da consciência. Este
mecanismo de autoproteção, postulou Freud, podia criar sintomas
psicossomáticos rotulados “histeria” na época, em um processo atualmente
conhecido como conversão.
Os
casos se manifestam tipicamente em forma de uma fraqueza ou paralisia
em um lado do corpo, similar a um derrame. Entre os sintomas podem
ocorrer convulsões não causadas por epilepsias. Os médicos nunca
descobriram uma base neurológica para a condição – os cérebros, nervos e
músculos dos pacientes pareciam estar normais –, o que os leva a
acreditarem que os sintomas são psicossomáticos e criam a suspeita de
que os pacientes estejam inventando suas doenças, disse Richard Kanaan,
professor de psiquiatria na Universidade de Melbourne e um dos autores
do estudo.
“Ainda
é pouco entendido, até mesmo pela maioria dos médicos”, disse Speed,
que tratou mais de 200 casos. “Eu tive inúmeros pacientes que me
disseram que ninguém acreditava neles, ou que lhes disseram bruscamente
que estavam fingindo”.
O
estudo realizado por Kanaan e seus colegas da King’s College, em
Londres, envolveu 12 pacientes com desordem de conversão e 13 adultos
saudáveis sem a condição.
Modelo freudiano
Nos
pacientes com conversão, a lembrança pareceu ativar uma área do cérebro
conhecida como o córtex pré-frontal dorsolateral esquerdo, ao passo que
outras lembranças – até mesmo as irritantes – em ambos os grupos de
pacientes ativaram o hipocampo, uma parte do cérebro importante para a
formação das lembranças.
“Trata-se,
eu acho, da primeira exploração científica de algo como um modelo
freudiano, que é ignorado há tempos”, disse Kanaan, em entrevista do seu
escritório no Austin Hospital de Melbourne, no qual é diretor de
psiquiatria.
A
abordagem de Freud para tratar os pacientes com desordem de conversão
consistia em desvelar o trauma suprimido mediante a psicoterapia e
ajudar a relembrar e reprocessar essas lembranças para aliviar os
sintomas.
Ainda
que Freud não tivesse as ferramentas para explorar os mecanismos
mediante os quais podia ocorrer a desordem da conversão, ele “acertou o
conceito”, disse Speed. “A conversão é simplesmente uma manifestação
física muito incomum e mais grave do estresse, na qual há um bloqueio de
mensagens do ou para o cérebro”.
Freud está de volta
Neurocientistas
descobrem que descrições biológicas do cérebro funcionam melhor se
combinadas às teorias delineadas pelo pensador austríaco há um século.
Na
primeira metade do século 20, as ideias de Sigmund Freud dominaram as
explicações sobre o funcionamento da mente. Seu pressuposto básico era
que nossas motivações permanecem em sua maior parte no inconsciente.
Mais que isso, são mantidas longe da consciência, por uma força
repressora. O aparato executivo da mente (o ego) rejeita iniciativas do
inconsciente (o id) que estimulam comportamentos incompatíveis com nossa
concepção civilizada de nós mesmos. A repressão é necessária porque
esses impulsos se manifestam na forma de paixões incontroláveis,
fantasias infantis e compulsões sexuais e agressivas.
Quando
a repressão não funciona, dizia Freud até sua morte, em 1939, surgem as
doenças mentais: fobias, ataques de pânico e obsessões. O objetivo da
psicoterapia, portanto, era rastrear os sintomas neuróticos até suas
raízes inconscientes e aniquilar seu poder através de sua confrontação
com a análise madura e racional.
Conforme
as pesquisas sobre a mente e o cérebro se sofisticaram, a partir da
década de 1950, os especialistas se deram conta de que as evidências
fornecidas por Freud eram bem tênues. Seu principal método de
investigação não era a experimentação controlada, mas a simples
observação de pacientes no cenário clínico, combinada a inferências
teóricas. Os tratamentos com remédios ganharam força, e a abordagem
biológica das doenças mentais deixou a psicanálise nas sombras. Se Freud
estivesse vivo, é possível que até saudasse essa reviravolta.
Neurocientista
muito respeitado até hoje, ele frequentemente fazia comentários como
“as deficiências de nossa descrição provavelmente desapareceriam se já
pudéssemos substituir os termos psicológicos por termos fisiológicos e
químicos”.
Na
década de 1980, os conceitos de ego e id eram considerados antiquados,
mesmo em certos círculos psicanalíticos. Freud era passado. Na nova
psicologia, o motivo de as pessoas deprimidas se sentirem mal não é a
destruição das primeiras ligações sentimentais da infância – há um
desequilíbrio nas substâncias químicas de seu cérebro. A
psicofarmacologia, no entanto, não oferece uma grande teoria sobre a
personalidade, as emoções e as motivações – uma nova concepção do que
realmente governa o que sentimos e o que fazemos. Sem esse modelo, os
neurocientistas concentraram seu trabalho em pontos específicos e
deixaram de lado o quadro geral.
Esse
quadro está voltando, e a surpresa é: não é muito diferente do que o
delineado por Freud há um século. Ainda estamos longe de um consenso,
mas um número cada vez maior de neurocientistas está chegando à mesma
conclusão de Eric R. Kandel, da Universidade Columbia, o Prêmio Nobel de
2000 em fisiologia ou medicina: a psicanálise “ainda é a visão da mente
mais intelectualmente satisfatória e coerente”.
Freud
está de volta, e não apenas na teoria. Grupos interdisciplinares
reunindo os campos antes distantes e muitas vezes contrários da
neurociência e da psicanálise se formaram em praticamente todas as
grandes cidades do mundo. Essas redes, por sua vez, uniram-se na
Sociedade Internacional de Neuropsicanálise, que organiza um congresso
anual e publica a bem-sucedida revista Neuro-Psychoanalysis. O conselho
editorial da publicação, formado por uma constelação de especialistas da
neurociência comportamental contemporânea – incluindo Antonio R.
Damasio, Kandel, Joseph E. LeDoux, Benjamin Libet, Jaak Panksepp,
Vilayanur S. Ramachandran, Daniel L. Schacter e Wolf Singer -, é o maior
testemunho do renovado respeito pelas ideias de Freud.
Juntos,
esses pesquisadores estão desenvolvendo o que Kandel chama de “novos
parâmetros intelectuais para a psiquiatria”. Dentro desses parâmetros, a
ampla organização da mente esboçada por Freud parece destinada a
funcionar como a teoria da evolução de Darwin em relação à genética
molecular – um modelo ao qual novos detalhes vão se ajustando. Ao mesmo
tempo, neurocientistas revelam provas de algumas das teorias de Freud e
desvendam os mecanismos que estão por trás dos processos mentais
descritos por ele.
Motivação Inconsciente
Quando
Freud introduziu a noção central de que a maioria dos processos mentais
que determinam nossos pensamentos, sentimentos e desejos, acontece
inconscientemente, a ideia foi rejeitada. Mas descobertas atuais
confirmam a existência e o papel essencial dos processos mentais
inconscientes. Um exemplo é que o comportamento de pacientes incapazes
de lembrar os acontecimentos passados por causa de danos a estruturas
que armazenam lembranças no cérebro é claramente influenciado pelos
fatos “esquecidos”. Os neurocientistas cognitivos analisam casos assim,
determinando sistemas de memória diferentes, que processam a informação
“explicitamente” (conscientemente) ou “implicitamente”
(inconscientemente). Freud havia dividido a memória da mesma forma.
Os
neurocientistas também identificaram sistemas de memória que controlam o
aprendizado emocional. Em 1996, na Universidade de Nova York, LeDoux
demonstrou a existência, sob o córtex consciente, de uma via neuronal
que conecta informações de percepção com estruturas primitivas do
cérebro responsáveis pela geração de reações de medo. Como essa via
atravessa o hipocampo – que gera memórias conscientes -, acontecimentos
do presente desencadeiam lembranças emocionalmente importantes,
provocando sensações conscientes que parecem irracionais, como “homens
de barba me dão arrepios”.
A
neurociência mostrou que as principais estruturas cerebrais essenciais
para a formação de memórias conscientes não são funcionais durante os
dois primeiros anos de vida, explicando o que Freud chamou de amnésia
infantil. Como supôs Freud, não é que tenhamos esquecido nossas
lembranças mais antigas; simplesmente não conseguimos trazê-las à
consciência. Mas essa incapacidade não as impede de afetar os
sentimentos e o comportamento adultos. Seria difícil encontrar um
neurobiólogo que não concorde que as experiências da primeira infância,
principalmente entre mãe e bebê, influenciam o padrão das conexões
cerebrais de modo a moldar nossa personalidade e saúde mental futura.
Apesar disso, não é possível lembrar-se dessas experiências
conscientemente. Fica cada vez mais claro que boa parte de nossa
atividade mental é motivada pelo inconsciente.
Repressão Justificada
Mesmo
que sejamos fundamentalmente guiados por pensamentos inconscientes,
isso não prova a afirmação de Freud de que reprimimos informações
desagradáveis por vontade própria. No entanto, começam a se acumular
estudos que apoiam essa noção. O mais famoso deles foi feito em 1994
pelo neurologista Ramachandran, da Universidade da Califórnia em San
Diego, com pacientes que sofriam de “anosognosia”. Danos na região
parietal direita do cérebro dessas pessoas fazem com que não percebam
que possuem problemas físicos graves, como um membro paralisado. Depois
de ativar artificialmente o hemisfério direito de uma paciente,
Ramachandran observou que ela percebeu que seu braço esquerdo estava
paralisado – e estava assim desde que ela havia sofrido um derrame, oito
dias antes. Ela era capaz de reconhecer a ausência e tinha registrado
inconscientemente esse fato nos oito dias anteriores, apesar de suas
negativas conscientes de que houvesse algo errado.
Quando
o efeito da estimulação acabou, a mulher não apenas voltou a acreditar
que seu braço estava normal, mas também esqueceu a parte da entrevista
em que tinha percebido que o braço estava paralisado, apesar de
lembrar-se nos mínimos detalhes da conversa. Ramachandran concluiu: “A
extraordinária implicação teórica dessas observações é que as lembranças
realmente podem ser seletivamente reprimidas. Ver essa paciente me
convenceu, pela primeira vez, da realidade do fenômeno da repressão que
compõe a pedra fundamental da teoria psicanalítica clássica”.
Assim
como os pacientes com o “cérebro dividido”, cujos hemisférios
permanecem sem ligação entre si, os pacientes de anosognosia abstraem
fatos indesejados, dando explicações plausíveis, mas inventadas, sobre
ações motivadas pelo inconsciente. O hemisfério esquerdo emprega
claramente os “mecanismos de defesa” freudianos, diz Ramachandran.
Fenômenos
análogos também vêm sendo demonstrados em pessoas com cérebros
intactos. Como disse o neuropsicólogo Martin A. Conway, da Universidade
Durham, na Inglaterra, em comentário publicado na Nature em 2001, se
efeitos significativos de repressão podem ser produzidos em pessoas
normais num cenário inocente de laboratório, imagine só o tamanho dos
efeitos produzidos pelo turbilhão emocional das situações traumáticas da
vida real.
Freud
foi mais além. Para ele, não somente grande parte de nossa atividade
mental é inconsciente e vive em negação, mas a parte reprimida do
inconsciente opera de acordo com um princípio diferente do “princípio de
realidade” que governa o ego consciente. Esse tipo de pensamento
inconsciente está ligado ao desejo e ignora tanto as leis da lógica
quanto o tempo.
Se
Freud está certo, danos a estruturas inibidoras do cérebro (a morada do
ego “repressor”) liberariam formas irracionais, ligadas ao desejo, de
funções mentais. É exatamente isso que se observa em pacientes com danos
na região límbica frontal, que controla os aspectos essenciais da
autoconsciência. Os pacientes apresentam uma síndrome conhecida como
psicose de Korsakoff: não percebem que têm amnésia e preenchem as
lacunas da memória com histórias inventadas, as confabulações.
A
neuropsicóloga da Durham, Aikatereni Fotopoulou, estudou um paciente
desse tipo em seu laboratório. O homem não conseguia se lembrar, nas
sessões de 50 minutos em minha sala, durante 12 dias consecutivos, que
já me conhecia e que havia se submetido a uma operação para retirar um
tumor dos seus lobos frontais, o que causava a amnésia. Para ele, não
havia nada de errado com sua saúde. Quando questionado sobre a cicatriz
na cabeça, ele confabulava explicações absolutamente improváveis: que
tinha sofrido uma cirurgia odontológica, ou uma operação de ponte de
safena. Ele realmente tinha passado por esses procedimentos – anos
antes.
Da
mesma forma, quando questionado sobre quem eu era e o que ele fazia em
meu laboratório, dizia que eu era um cirurgião dentista, um companheiro
de bebida, um cliente em consulta profissional, um colega de time de um
esporte que não praticava havia décadas ou um mecânico que estava
consertando um de seus vários carros esporte (que ele não possuía). Seu
comportamento era coerente com essas falsas crenças: ele olhava para a
cerveja sobre a mesa ou para o carro através da janela.
Desejos Ocultos
O
que chama a atenção nessas ideias falsas é a presença de desejo, uma
impressão que Fotopoulou confirmou com a análise quantitativa de 155 das
confabulações do paciente. As falsas crenças do paciente não eram
aleatórias – eram geradas pelo “princípio de prazer” que, segundo Freud,
é central para o inconsciente. O homem simplesmente reconstruía a
realidade como queria que fosse. Observações semelhantes foram relatadas
por outros pesquisadores, como Martin Conway, de Durham, e Oliver
Turnbull, da Universidade de Gales. Eles são neurocientistas cognitivos,
não psicanalistas, mas interpretam suas descobertas em termos
freudianos, alegando, basicamente, que os danos à região límbica frontal
que produzem as confabulações prejudicam os mecanismos de controle
cognitivo, que são a base da monitoração normal da realidade, e libertam
da inibição as influências implícitas do desejo na percepção, na
memória e no julgamento.
Freud
argumentava que o princípio do prazer, na verdade, exprimia impulsos
primitivos, animais. Para seus contemporâneos vitorianos, a ideia de que
o comportamento humano fosse no fundo governado por compulsões sem
nenhum propósito mais nobre que a auto-realização carnal era
simplesmente escandalosa. O escândalo se atenuou nas décadas seguintes,
mas o conceito freudiano do homem como animal foi mantido em segundo
plano pelos cientistas cognitivos. Agora ele está de volta.
Neurocientistas
como Donald W. Pfaff, da Universidade Rockefeller, e Jaak Panksepp, da
Universidade Estadual de Bowling Green, acreditam hoje que os mecanismos
instintivos que regem a motivação humana são ainda mais primitivos do
que imaginava Freud. Nossos sistemas básicos de controle emocional são
iguais aos de nossos parentes primatas e aos de todos os mamíferos. No
nível profundo da organização mental que Freud chamou de id, a anatomia e
a química funcionais de nosso cérebro não são muito diferentes daquelas
dos animais que vivem nos currais ou dos bichos de estimação.
No
entanto, os neurocientistas modernos não aceitam a classificação
freudiana da vida instintiva humana como simples dicotomia entre
sexualidade e agressão. Através do estudo de lesões e do efeito de
drogas, além da estimulação artificial do cérebro, eles identificaram
pelo menos quatro circuitos instintivos básicos em mamíferos, sendo que
alguns deles se sobrepõem. São o sistema de “recompensa” ou de “busca”
(que inclui a procura de prazer); o sistema da “raiva” (que comanda a
agressão raivosa, mas não a predatória); o sistema de “medo-ansiedade”; e
o do “pânico” (que inclui instintos como os que comandam os impulsos
maternais ou as relações sociais). Também se investiga a existência de
outras forças instintivas, como um sistema de “brincadeira”. Todos esses
sistemas cerebrais são regulados por neurotransmissores, substâncias
químicas que carregam mensagens entre os neurônios do cérebro.
O
sistema de busca, controlado pelo neurotransmissor dopamina, apresenta
uma incrível semelhança com a “libido” freudiana. De acordo com Freud,
os impulsos sexuais ou libidinosos são um sistema de busca de prazer que
move a maioria de nossas interações com o mundo. Pesquisas recentes
mostram que seu equivalente neural está diretamente envolvido em quase
todas as formas de compulsão e vício. É interessante notar que as
primeiras experiências de Freud com a cocaína – na maioria delas ele
aplicava a droga em si mesmo – o convenceram de que a libido devia ter
algum fundamento neuroquímico.
Farmácia Freudiana
Ao
contrário de seus sucessores, Freud não via motivo para o antagonismo
entre psicanálise e psicofarmacologia. Ele antevia com entusiasmo o dia
em que a “energia do id” seria diretamente controlada por “determinadas
substâncias químicas”. Os tratamentos que combinam psicoterapia com
medicamentos que agem no cérebro são considerados hoje a melhor
abordagem para muitos transtornos. E tecnologias de imagem mostram que a
psicoterapia atua no cérebro de modo semelhante aos medicamentos.
As
ideias de Freud também estão ressurgindo na ciência que trata do sono e
dos sonhos. Sua teoria dos sonhos – a de que são um modo de vislumbrar
os desejos inconscientes – foi desacreditada com a descoberta da
correlação estreita entre o movimento rápido dos olhos (REM) e o ato de
sonhar, nos anos 1950. A visão freudiana perdeu praticamente toda a
credibilidade nos anos 1970, quando pesquisadores mostraram que o ciclo
do sonho era controlado pela substância química acetilcolina, produzida
em parte “desimportante” do tronco encefálico. O sono REM acontecia
automaticamente, mais ou menos a cada 90 minutos, e era desencadeado por
substâncias químicas e estruturas cerebrais que nada tinham a ver com a
emoção e a motivação. Essa descoberta queria dizer que os sonhos
provavelmente não tinham nenhum significado; eram simplesmente histórias
concatenadas pelo cérebro para tentar refletir a atividade cortical
aleatória provocada pelos acontecimentos do dia.
Estudos
mais recentes vêm mostrando que o sono REM e o sonho são estados
dissociáveis, controlados por mecanismos distintos, embora interajam. O
sonho é produzido por uma rede de estruturas reunidas nos circuitos
instintivo-motivacionais do cérebro anterior. Essa revelação deu origem a
uma miríade de teorias sobre os sonhos, sendo que a maior parte delas
remete a Freud.
Fibras dos Sonhos
Mais
intrigante é a observação feita por mim e por outros cientistas de que
os sonhos param totalmente quando determinadas fibras nas profundezas do
lobo frontal se rompem – um sintoma que coincide com a redução geral do
comportamento motivado. A lesão é a mesma que era deliberadamente
produzida na lobotomia pré-frontal, um procedimento cirúrgico obsoleto
usado para controlar alucinações. Esse tipo de operação foi substituído
na década de 1960 por medicamentos que reduzem a atividade da dopamina
nos mesmos sistemas cerebrais. O sistema de busca, portanto, pode ser o
produtor básico dos sonhos.
Se
a hipótese for confirmada, a teoria de que os sonhos estão ligados à
realização dos desejos pode voltar a determinar a agenda do estudo do
sono. Mas, mesmo que prevaleçam outras interpretações, todas elas
demonstram que a conceituação “psicológica” dos sonhos voltou a ser
cientificamente respeitável. Poucos neurocientistas ainda negam – como
já fizeram sem medo – que o conteúdo dos sonhos tenha um mecanismo
básico emocional.
Nem
todos são entusiastas do ressurgimento dos conceitos freudianos na
ciência mental. Não é fácil para a geração mais antiga de psicanalistas,
por exemplo, aceitar que seus alunos e colegas mais jovens podem e
devem sujeitar a sabedoria convencional a um nível totalmente novo de
escrutínio biológico. Mas um número animador de cientistas mais velhos,
dos dois lados do Atlântico, – comprometidos a pelo menos manter a mente
aberta, como demonstram minha menção anterior aos psicanalistas
eminentes que fazem parte do conselho da Neuro-Psychoanalysis e as
muitas cabeças grisalhas da Sociedade Internacional de Neuropsicanálise.
Para
os neurocientistas mais antigos, a resistência ao retorno das ideias
psicanalíticas vem de um tempo, no início de suas carreiras, em que o
edifício da teoria freudiana era praticamente indestrutível. Eles não
reconhecem nem a confirmação parcial de alguns conceitos fundamentais de
Freud; exigem sua completa eliminação. Nas palavras de J. Allan Hobson,
um renomado psiquiatra especialista em sono da Faculdade de Medicina de
Harvard, o recente interesse em Freud é nada menos que uma inútil
readaptação de dados modernos a parâmetros teóricos antiquados. Mas,
como disse Panksepp em entrevista de 2002 à revista Newsweek, para os
neurocientistas que estão entusiasmados com a reconciliação entre
neurologia e psicanálise, “não é uma questão de provar se Freud estava
certo ou errado, mas de terminar o serviço”.
Se
esse serviço puder ser concluído – se os “novos parâmetros intelectuais
para a psiquiatria” de Kandel forem estabelecidos -, vai virar passado o
tempo em que as pessoas com dificuldades emocionais tinham de escolher
entre a terapia psicanalítica, que pode estar em desacordo com a
medicina moderna e as drogas prescritas pela psicofarmacologia, que
desvaloriza a conexão entre as substâncias químicas cerebrais que
manipula e as complexas trajetórias de vida que culminam nos problemas
emocionais. A psiquiatria do futuro promete oferecer aos pacientes,
assistência fundamentada na compreensão integrada do que realmente
governa o que sentimos e fazemos.
Quaisquer
que sejam as terapias que o amanhã nos reserva, os pacientes só podem
se beneficiar de um entendimento melhor de como o cérebro funciona. À
medida que os neurocientistas modernos se voltam mais uma vez para as
questões profundas da psicologia humana que tanto preocuparam Freud, é
gratificante perceber que podemos construir sobre os alicerces que ele
edificou, em vez de começar do zero. Mesmo que identifiquemos os pontos
fracos das teorias de Freud e corrijamos, revisemos e completemos seu
trabalho, é maravilhoso ter o privilégio de terminar o serviço.
Fonte: Exame Tecnologia
Fonte: Viver Mente